Uma civil de 76 anos de idade teve a condenação de dois anos de reclusão mantida pelo Superior Tribunal Militar (STM) pelo crime de estelionato, previsto no artigo 251 do Código Penal Militar. Por mais de 10 anos, ela teria ludibriado o Exército e recebido duas pensões - do pai e do marido - causando prejuízos de mais de R$ 400 mil reais aos cofres públicos.
O Ministério Público Militar (MPM) pediu a condenação dela afirmando que a pensionista civil do Exército teria prestado declaração falsa, induzindo em erro a Administração Militar, a fim de perceber, indevidamente, a pensão na condição de filha maior solteira de ex-servidor da Força, simultaneamente com a pensão percebida também do Exército Brasileiro na condição de viúva do servidor civil inativo.
De acordo com o MPM, a denunciada foi instituída como beneficiária, na condição de filha maior solteira, a contar de 9 de março de 1993, da pensão de seu pai, morto em 7 de abril de 1979.
Para instruir o processo de habilitação, ela utilizou o nome de solteira, omitindo de forma consciente o fato de que havia se casado em 30 de maio de 1989.
Durante a inquirição, a denunciada confessou que sabia de sua conduta errada, mas estava necessitando do dinheiro. A promotoria salientou que ela possuía dois CPFs (um com o nome de casada e outro com o nome de solteira), bem como duas contas bancárias em instituições diferentes, para receber as pensões. Na condição de viúva, passou a receber os valores após a morte de seu marido, em 28 de dezembro de 1997.
“Conforme descrito no demonstrativo de débito do Comando da 1ª Região Militar, descortinou-se que os pagamentos efetuados pelo Exército na conta corrente da ex-pensionista civil atingiram o montante avaliado em R$ 416.589,56”, informou o MPM.
Primeira instância
No julgamento de primeira instância, feito pela Juíza Federal da Justiça Militar da 1ª Auditoria da 1ª CJM, no Rio de Janeiro (RJ), em setembro do ano passado, a ré foi condenada à pena de dois anos de reclusão, com o benefício do sursis pelo prazo de dois anos, o direito de apelar em liberdade e o regime prisional inicialmente aberto.
A defesa da idosa, não satisfeita com a sentença, recorreu da decisão junto ao Superior Tribunal Militar, em Brasília.
Em suas razões, o advogado arguiu a existência do estado de necessidade exculpante (sacrificar um bem jurídico de menor valor, em razão de outro, no caso, a fome) como causa de exclusão da culpabilidade.
Sustentou que à época dos fatos a pensionista vivenciava uma situação de crise, tendo relatado que não conseguia sequer pagar o aluguel e pediu o reconhecimento da atipicidade (não haver crime) da conduta praticada, pois a “acusada é uma senhora de aproximadamente 76 anos, sem muita instrução, além de advir de um fundo social humilde”.
O advogado também alegou não ser crível que tal pessoa, por meio de artifícios engenhosos, tenha enganado ou mantido em erro uma instituição da dimensão do Exército, com todo seu aparato técnico e administrativo.
Apelação
Ao analisar o recurso de apelação, o ministro do STM Luis Carlos Gomes Mattos decidiu manter a condenação de primeiro grau.
Para o relator do caso, o dolo ficou especialmente evidenciado pelo fato de a acusada ter omitido, de forma consciente, a sua condição de casada, habilitando-se à pensão de seu pai, na condição de filha solteira, bem como ter se utilizado de dois CPFs (um com o nome de casada e outro com o nome de solteira) e de duas contas bancárias em instituições diferentes, uma para receber a pensão civil do pai, na condição de filha solteira, e outra para receber a pensão civil do marido, na condição de viúva.
"Em que pese a ré ter afirmado em juízo que, à época dos fatos, vivenciava uma situação de crise financeira, a sua atitude de ter mantido a Administração Militar em erro por um período de aproximadamente dez anos (1997 a 2007) não configura um perigo certo e atual que possa justificar o crime que cometeu”, disse o ministro.
Ainda segundo o relator, não há dúvidas de que a pensionista podia e devia se abster da prática criminosa, não cabendo justificá-la pela figura do estado de necessidade ou a qualquer outro título.
“Por fim, também não deve prosperar o pleito defensivo de reconhecimento da atipicidade objetiva da conduta praticada, pelo fato de a acusada ser uma senhora de aproximadamente 76 anos, sem muita instrução, além de advir de um fundo social humilde”, concluiu.
Por unanimidade, o Plenário do Superior Tribunal Militar acompanhou o voto do ministro relator.