O Superior Tribunal Militar (STM) manteve a condenação de um empresário de Recife (PE), por corrupção ativa, e de um sargento do Exército, por corrupção passiva, por ter sido comprovada a participação de ambos em um esquema fraudulento, que lesava um quartel do Exército sediado na capital pernambucana.
As fraudes ocorreram por um ano, entre 2012 e 2013, mas foram levantados indícios de que as ações criminosas ocorriam há vários anos, sempre tendo como protagonista o empresário, sócio proprietário de um armazém de construção, historicamente um antigo fornecedor das Forças Armadas e outros órgãos públicos em Recife e Olinda.
Versão do MPM
A denúncia do Ministério Público Militar (MPM) conta que um sargento, servindo à época no Pelotão de Obras de uma organização militar, entrou em contato com o fornecedor para cobrar a entrega de cimento já empenhado pelo Batalhão. Mas a empresa informou que o material já havia sido entregue, em mãos de um outro militar, também sargento daquela unidade do Exército.
Isso deu ensejo a uma investigação e após diversas conferências de itens do almoxarifado do quartel, apurou-se a falta de diversos materiais de construção, como pacotes de cimento e até janelas que supostamente haviam sido recebidos pelo sargento, mas nunca teriam entrado no Batalhão.
Para o MPM, o sargento, como chefe do pelotão de obras, aproveitou-se da confiança depositada nele para receber vantagens indevidas. Segundo a promotoria, ele atestava o recebimento das notas fiscais, mas o material nunca saía da empresa. Diversos depósitos na conta bancária do militar foram identificados com a quebra de sigilo fiscal, oriundos da conta bancária da empresa.
Para o MPM, o crime somente aconteceu em razão da participação livre e consciente do empresário denunciado, pessoa responsável por negociar diretamente com o sargento a entrega de "materiais diversos", de valores e qualidades intencionalmente não especificados, em troca da assinatura do militar de "nota a pagar" no valor negociado, que seriam quitadas pelo Batalhão e os bens desviados em benefício do militar.
“Ambos aproveitaram-se de uma prática à margem da lei adotada pelo Batalhão em certas ocasiões, com autorização do Comando, consistente na aquisição de materiais de construção, por "notas a pagar", antes da devida emissão da nota de empenho, para desviar bens e valores, em tese, destinados ao Batalhão, aparentemente sem o conhecimento ou autorização do Comandante nem do Fiscal Administrativo”, disse a promotoria.
Ainda de acordo com a promotoria, provavelmente, os crimes constatados na investigação configuram a mera "ponta do iceberg" de prejuízo muito superior causado ao erário em razão da má gestão do Batalhão nos anos de 2012 e 2013.
“A desordem administrativa lá existente de controle de estoque e o desrespeito às formalidades mínimas para realização de despesa certamente provocaram prejuízos incalculáveis, ao mesmo tempo em que inviabilizaram a identificação de toda cadeia de responsáveis pelos desmandos identificados. Nesse sentido, registre-se que sequer a perícia contábil realizada pôde quantificar o prejuízo causado à administração militar ou evidenciar se outras aquisições estariam eivadas pelos mesmos vícios, tendo em vista que os registros formais de estoque lançados no SISCOFIS eram fundamentados nos atestes de recebimento constantes das notas fiscais”, escreveu o promotor em sua acusação formal.
No julgamento de primeira instância, ocorrido em junho do ano passado, na 7ª Auditoria da JMU, em Recife, o juiz federal da Justiça Militar condenou o sargento à pena de três anos e quatro meses de reclusão, pelo crime previsto no artigo 308 do Código Penal Militar (CPM) - corrupção passiva, por nove vezes, com regime inicialmente aberto, sem sursis, e o absolveu do crime previsto no art. 303 do CPM-peculato.
Já em relação ao acusado civil, o magistrado, também em decisão monocrática, o condenou à pena de um ano e oito meses de reclusão, pelo crime previsto no artigo 309 do CPM (corrupção ativa), por nove vezes, com direito ao sursis pelo prazo de 2 anos, em regime inicialmente aberto, e o absolveu do crime previsto no art. 303 do CPM.
Inconformados com a decisão, ambos os réus entraram com recurso junto ao STM. A defesa do acusado militar pediu a absolvição. Para ela, não ficou comprovado nos autos nenhuma ligação entre os acusados, não havendo prova de que o militar recebeu valores indevidos para favorecer a empresa do corréu. Subsidiariamente, requereu a exclusão da continuidade delitiva, a aplicação da pena no mínimo legal e a concessão do benefício do sursis.
Já a DPU, que fez a defesa do empresário, requereu a absolvição do seu assistido, informando não existirem nos autos "prova apta à demonstração indubitável da autoria delituosa do acusado, quanto às notas a pagar genéricas e à transferência - que foi atribuída a outra pessoa".
Apelação no STM
Ao apreciar o recurso de apelação, o ministro Lúcio Mário de Barros Góes negou provimento a ambos os pedidos. Para o ministro-relator, restou devidamente comprovada a participação dos acusados nos delitos de corrupção ativa e passiva, em que pese terem negado os fatos em seus interrogatórios. “As condutas criminosas imputadas ao acusado militar somente se consumaram em razão da participação livre e consciente do acusado civil, sócio das empresas de materiais de construção, que era a pessoa que negociava diretamente com o sargento a entrega de "materiais diversos", de valores e qualidades dolosamente não especificados, em troca da assinatura do militar nas "nota a pagar" no valor negociado, que seriam quitadas, em data futura, pelo Batalhão”, disse o relato.
O ministro informou que nos autos não há dúvida que o acusado civil liquidou as notas fiscais sem se embasar em documentos aptos a comprovar a entrega à Administração Militar dos produtos por ele declarados, “conforme forte arcabouço probatório contido nos autos”. No tocante ao réu militar, o magistrado afirmou que ele era o chefe do Pelotão de Obras, devendo, para tanto, zelar pelo recebimento correto dos materiais e evitar que qualquer conduta ilegal fosse praticada.
“ No entanto, agiu de maneira ilícita, praticando o delito de corrupção passiva quando recebeu indevidamente valores em sua conta e atestou, de maneira pseudônima, o recebimento de produtos de construção que não ingressaram no Batalhão. Registre-se que os valores depositados em sua conta corrente harmonizam-se a pagamentos mensais de aproximadamente R$ 2.000,00, conforme as notas de materiais diversos”, afirmou.
Em relação às propinas das demais notas, continuou o relator, estas provavelmente foram entregues em espécie (muito comum em crimes dessa natureza), conforme se verifica do exame da documentação bancária, “na qual se verificam nove depósitos em espécie, sem identificação dos respectivos autores, totalizando o montante de R$ 10.207,00”.
A condenação foi mantida pelo relator e, por unanimidade, os demais ministros do STM acataram o voto do relator e mantiveram a condenação de ambos os réus.