Nesta quarta-feira (13), a Justiça Militar da União com sede na cidade do Rio de Janeiro condenou oito militares a penas superiores a 28 anos, pela morte do cantor Evaldo Rosa dos Santos e do catador de latinhas Luciano Macedo, por homicídio qualificado. Além disso, eles também foram condenados por tentativa de homicídio contra Sergio Gonçalves de Araújo, sogro de Evaldo.
A pena maior foi imposta ao tenente que exercia a função de comandante do grupo de combate: 31 anos e 6 meses de reclusão. Os demais militares foram condenados a 28 anos de reclusão e também excluídos dos quadros do Exército, por não serem oficiais e terem penas superiores a dois anos. Todos os réus poderão recorrer do julgamento em liberdade.
As mortes ocorreram durante uma ação de patrulhamento do Exército na área da Vila Militar em Guadalupe, na Zona Norte do Rio de Janeiro, em abril de 2019. Os militares foram denunciados por homicídio qualificado de Evaldo e Luciano e por tentativa de homicídio qualificado de Sérgio (sogro de Evaldo).
Os outros quatro militares que faziam parte do grupo foram absolvidos por falta de provas de que participaram efetivamente da ação. Um vídeo, exames residuográficos, um relatório de ensaio e pareceres técnicos estão em consonância com a informação de que estes não efetuaram disparos.
O julgamento foi realizado pelos votos dos integrantes de um Conselho, designado Conselho Especial de Justiça, composto por cinco membros: a Juíza Federal Substituta da Justiça Militar, Mariana Aquino, que atuou como presidente do conselho, e quatro oficiais do Exército, que atuaram como juízes militares.
De acordo com o voto da juíza, a versão dos acusados de que atiraram em resposta aos disparos deflagrados por Luciano (que, segundo eles, teria praticado um roubo momentos antes) encontra-se isolada diante do contexto probatório.
“Com efeito, o assalto já havia cessado, Evaldo estava dentro do carro, inconsciente; não foram encontradas armas com as vítimas, tampouco a viatura Marruá foi alvejada; ademais, as testemunhas relataram que apenas os militares atiraram, o que pôde ser comprovado, também, em face das perícias e do vídeo gravado. Assim, forçoso convir que não há que se falar em legítima defesa, uma vez que não houve agressão injusta. Da mesma forma, impossível o reconhecimento da excludente da legítima defesa putativa quando não presentes os elementos necessários à sua caracterização (sequer há ameaça de agressão. O assalto já havia cessado)”, declarou a magistrada.
Segundo a juíza, também não procede a alegação da defesa de que os militares agiam no estrito cumprimento do dever legal. “A Lei não impõe, em tempo de paz, a quem quer que seja, o dever de matar. Ainda, importante destacar que as regras de engajamento - que são diretrizes que balizam a conduta dos militares e o uso da força de forma progressiva, proporcional e pautada nos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e legalidade – não foram observadas no caso em tela; ao revés, agiu-se de forma diametralmente oposta àquela que se espera de militares com vasta experiência operacional”, afirmou.
Em seu voto, a juíza destacou a quantidade excessiva de disparos deflagrados: foram recolhidos no local, próximo à viatura militar, 82 estojos, sendo 59 de calibre 5,56mm e 23 de calibre 7,62mm; o Laudo de Perícia em Veículo estatuiu que o automóvel das vítimas foi atingido, no total, por 62 disparos, sendo 38 de calibre 5,56mm; 12 de calibre 7,62mm; 1 de calibre 9mm; e 11 de calibre não identificado. Esse dado foi considerado na fixação das penas, sendo tratado como uma qualificadora do emprego de meio de que possa resultar perigo comum: o local era uma área urbana, densamente povoada, ainda que no dia dos fatos não houvesse muitas pessoas no local.
O Conselho considerou que o crime de omissão de socorro não restou configurado, visto que o relato de testemunhas confirmou que o tenente ligou solicitando que a Polícia Militar acionasse os órgãos competentes para o socorro. A juíza também lembrou que, segundo a doutrina, não há que se falar em crime de omissão de socorro quando o agente foi o autor da situação de perigo.
De acordo com o artigo 443 do Código de Processo Penal Militar (CPPM), a juíza terá o prazo de oito dias para fazer a leitura da sentença, em audiência pública. Caberá apelação ao Superior Tribunal Militar (STM) no prazo de cinco dias, contados da data da intimação da sentença ou da sua leitura em audiência pública, na presença das partes ou seus procuradores. Recebida a apelação pela Juíza Federal que conduz o caso, será aberta vista dos autos, sucessivamente, ao apelante e ao apelado pelo prazo de dez dias, a cada um, para oferecimento de razões de apelação.