Iniciando o segundo dia do Congresso Jurídico de Direito Militar, o coordenador científico, ministro do Superior Tribunal Militar, General de Exército Lourival Carvalho Silva, realizou a abertura solene e agradeceu, nominalmente, às instituições que apoiaram e tornaram possível a realização, com brilhantismo, de tão importante evento da Justiça Militar.
A primeira palestra, com o título “Nulidades no Processo Penal Militar”, foi proferida pelo Dr Renato Brasileiro de Lima, promotor de justiça militar em São Paulo. Ele demarcou a sua apresentação em dois tópicos principais: nulidades na fase investigatória e nulidades na fase judicial. Na primeira parte iniciou com comentários sobre os direitos dos advogados, em que o principal deles é o de assistir a seus clientes durante a apuração de infrações e, caso isso não venha a acontecer, o interrogatório, ou depoimento, poderá ser considerado nulo. A quebra da cadeia de custódia foi o segundo tópico abordado, onde enfatizou que uma investigação em que se caracterize essa situação poderá gerar a nulidade daquela prova. Exemplificou com a revista de armários em alojamentos de quarteis, onde provas de ilícitos encontrados, eram colocados em um mesmo recipiente (saco plástico), sem a devida identificação de qual objeto foi encontrado em qual armário. Esse procedimento pode contaminar a credibilidade do processo, devendo ser evitado.
As buscas domiciliares foram o tópico seguinte, onde apresentou exemplos que trataram do “aproveitamento” de mandado de prisão para fins de busca domiciliar, a expedição de mandados de busca genéricos e situações de causa provável para violação de domicílio nos casos de flagrante delito. Como último item do tópico de nulidade na fase investigatória, teceu comentários sobre o reconhecimento de pessoas e coisas, com ênfase para problemas que podem surgir com a identificação de agentes suspeitos por meio de fotografias. Iniciou os comentários a respeito da nulidade na fase judicial com exemplos sobre os prazos para a realização das audiências de instrução e julgamento, apresentando o Art 400 do Código de Processo Penal, que trata do tema. Encerrando o seu tempo fez diversas colocações sobre a utilização de algemas, baseadas na Súmula Vinculante nr 11.
A segunda apresentação do dia 14 ficou a cargo do Dr Vinícius Gomes de Vasconcellos, professor doutor da Universidade Estadual de Goiás, da Universidade Católica de Brasília e do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), que abordou o tema “Colaboração Premiada e Justiça Criminal Negocial”.
O professor Vinícius iniciou a sua apresentação compartilhando com a plateia, a informação de que nos Estados Unidos, aproximadamente, 90% das condenações são obtidas por meio de acordos de delação e, por estarem amparados na Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Transnacional, essa é uma tendência global. Iluminou, como pré-requisitos para que esses acordos possam seguir em frente, a condição de que os defensores terão que fazer concessões e permitir facilidades à persecução penal, tendo como consequente benefício a redução da sansão penal do réu. Citou como exemplos da Justiça Criminal Negocial a colaboração premiada e os acordos de não persecução penal (ANPP) e mostrou os pontos fundamentais de um procedimento modelo de colaboração premiada, que tem início com as negociações, prossegue com a formalização e o termo do acordo, a homologação e, por último, o sentenciamento. O palestrante lembrou à assistência de que a colaboração premiada é dotada de natureza jurídica e, também, também atua como meio para obtenção de provas. Não tem como objetivo apenas a condenação do colaborador e busca, também, trazer outros agentes envolvidos no crime.
Abordou, o professor Vinícius, a possibilidade de que os delatados possam vir a anular o acordo, ao que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) afirma não ser possível e, também, apontou, com relação à ordem das alegações finais, que, após pronunciar-se o Ministério Público, seguem as alegações do delator e, por último, as dos delatados.
Concluiu a sua fala, afirmando que aspectos dos acordos de colaboração premiada podem ser compatibilizados com os princípios basilares da Justiça Militar que são a hierarquia e a disciplina.
O conteúdo vespertino teve início com a apresentação da Dra Daniela de Freitas Marques, juíza de direito da 3ª Auditoria do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (TJMMG) e professora doutora da Universidade Federal de Minas Gerais, que tratou do assunto “A Fala e o Crime: os Limites da Liberdade de Expressão no Sistema Jurídico Militar”.
Dra Daniela utilizou seu tempo para lançar à assistência, diversas reflexões sobre esse relevante e atual tema. Iniciou dando destaque, não à liberdade de expressão, mas, sim, ao silêncio, que considera uma garantia fundamental que dá ao indivíduo o direito de não se auto incriminar. Traduziu essa garantia como a “liberdade do silêncio”. Induziu a plateia à reflexão de que estudiosos passam a impressão de que o Estado (em seu conceito amplo) é o grande inimigo natural da liberdade de expressão. Entretanto, argumenta, ainda, de que atualmente, se observa que essa postura de censura, muitas vezes não vem só do Estado mas, também, do meio privado, das redes sociais, vide o termo atual utilizado na linguagem midiática do “cancelamento” de pessoas que emitem opiniões que desagradam a determinados grupos. Encerrou a sua participação enfatizando a realidade que vivemos, atualmente, e o que se pode fazer para administrar essa evolução tecnológica que estamos acompanhando, com o surgimento da inteligência artificial.
Encerrando as atividades do segundo dia do Congresso, ocorreu o painel que teve como tema: “Execução de Pena na Justiça Militar: experiências práticas e casos concretos”. O painel contou com a participação do Dr Jorge Luiz de Oliveira da Silva, juiz federal da Justiça Militar da União e do Dr Marcos Fernando Theodoro Pinheiro, juiz de direito da 3ª Auditoria Militar do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo (TJMSP), tendo como moderadora a Dra Patrícia Silva Gadelha, juíza federal substituta da Justiça Militar da União.
Dr Marcos Fernando apresentou peculiaridades da execução penal na Justiça Militar no estado de São Paulo, iniciando pela organização daquela justiça estadual, que possui duas câmaras, com competência cumulativa, em segundo grau, e seis auditorias em primeiro grau, sendo uma delas responsável pela correição permanente e execuções criminais. Expôs aos participantes informações a respeito do presídio militar Romão Gomes que tem capacidade para 300 detentos e, no momento, tem aproximadamente 150 presos, entre presos provisórios, e nos regimes fechado e semi aberto.
Dr Jorge, por sua vez, discorreu sobre a possibilidade de aplicação de penas restritivas de direitos na JMU, destacando que o STM e o STF entendem inviável a aplicação dessas penas. As duas cortes se posicionam contrárias por entenderem que tais penas alternativas afetariam a hierarquia e a disciplina. O painelista apresentou o seu pensamento, afirmando não ver qualquer afronta ou inconveniência à hierarquia e à disciplina e estabeleceu comparação com o sursis, que considera ineficaz, não trazendo qualquer mensagem pedagógica e tampouco exemplaridade. No conjunto de seus argumentos, apresentou alguns casos práticos de sucesso da aplicação de penas restritivas de direito de prestação de serviços e de prestação pecuniária.
A moderadora do Painel, Dra Patrícia, ao concluir os trabalhos, deixou clara a sua opinião favorável às penas restritivas de direitos, em substituição ao sursis.