O Superior Tribunal Militar (STM) manteve a condenação de um casal de civis, moradores da cidade do Rio de Janeiro, pelo crime de tentativa de estelionato. A mulher é sogra de um empresário, proprietário de uma funerária na capital fluminense, e tentou receber do Exército ressarcimento de um caixão, usado no sepultamento de um major, por quase o triplo do preço cobrado da família.
Na primeira instância da Justiça Militar da União (JMU), 1ª Auditoria Militar do Rio de Janeiro, em 20 de março de 2020, os réus foram condenados a um ano e quatro meses de reclusão pelo crime de estelionato, na forma tentada, previsto no artigo 251 do Código Penal Militar.
Segundo autos da ação penal, após a morte do major, em 10 de julho de 2016, a civil se identificou no Setor de Inativos e Pensionistas do Exército como ‘amiga’ do militar e solicitou ao órgão o pagamento de indenização por ter custeado os serviços funerários do falecido. Junto com o requerimento, a mulher apresentou uma nota fiscal emitida por uma funerária de Bangu no valor de R$ 17 mil.
Os militares do Setor de Inativos do Comando do Exército no RJ desconfiaram do alto valor da nota fiscal e foi aberta uma investigação. Um dos filhos do major falecido contou, em sindicância aberta nas apurações, que nem ele e nem seus irmãos podiam arcar com os custos dos serviços funerários e teriam entrado em contato com um grupo religioso do qual seu pai fazia parte.
Na ocasião, a ré se ofereceu para efetuar o pagamento que possibilitou o sepultamento do idoso. Ainda segundo o filho do militar, o sócio da funerária foi quem teria informado à mulher civil que o Exército reembolsaria os custos do sepultamento. A investigação também descobriu que a ré era sogra do acusado.
Com base no regramento sobre indenização de custeio de funeral de militar das Forças Armadas, cujo limite é o soldo do militar falecido, o réu, filho do proprietário da funerária, emitiu a nota fiscal no exato valor do soldo bruto de um major aposentando. Também chamou atenção o alto valor da urna funerária, R$ 16.805,18. Foi constatado, no entanto, no site da mesma funerária, que o caixão mais caro anunciado custava cerca de R$ 6.000.
Ao ser indagado sobre o preço da urna, o sócio da empresa e réu no processo justificou que ficava a cargo da funerária arbitrar o preço dos serviços funerários de acordo com as condições dos familiares. Diante do indício de sobrepreço, o Comando da 1ª Região Militar não concedeu a indenização pleiteada e passados 60 dias, a ré passou a fazer cobranças constantes e incisivas ao filho do major falecido.
Para o Ministério Público, os denunciados somente não obtiveram a vantagem ilícita consistente no sobrepreço por circunstâncias alheias às suas vontades.
Após a condenação na primeira instância da Justiça Militar, a defesa dos dois civis recorreu da decisão ao Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília.
A defesa pediu a absolvição dos réus, informando não ter havido crime tentado de estelionato, não ter existido a informação “ideologicamente falsa”, nem “vínculo psicológico” e tampouco o “dolo específico".
Mas, ao analisar o recurso de apelação, o ministro Franscisco Joseli Parente Camelo negou provimento e manteve a condenação de primeiro grau.
Para o relator, as investigações elucidaram que, coincidentemente, o gestor da funerária contratada era genro da ré e que ele detinha vasta experiência na concessão de auxílio-funeral pelas Forças Armadas, haja vista que serviu em hospitais militares no período de 1996 a 2015, sendo conhecedor de que, segundo regulamentado no Decreto nº 4.307/2002, o valor máximo a ser reembolsado é aquele correspondente ao soldo do militar falecido.
Segundo o ministro, tornou-se indisfarçável que houve atuação conjunta e coordenada, em conluio, deliberadamente dirigida à obtenção montante do benefício previdenciário, chamado de “auxílio-funeral”, a ser pago pela Administração Militar, mediante induzimento a erro quando da inserção de valores distorcidos da realidade a título de reembolso de despesas funerárias – informação ideologicamente falsa contida na nota fiscal.
“Assim, provado que ambos são, de fato, genro e sogra, fato descoberto no curso do IPM originário e confirmado pelos acusados em juízo está perfeitamente caracterizado o liame subjetivo dos agentes na empreitada criminosa que, frise-se, somente não acarretou elevado prejuízo ao erário em decorrência da perspicácia do chefe do Serviço de Inativos e Pensionistas da 1ª Região Militar onde aportou o requerimento de reembolso”.