O Superior Tribunal Militar (STM), por unanimidade, confirmou decisão do Conselho Permanente de Justiça (CPJ) para a Aeronáutica, que condenou um soldado a uma pena de um ano de detenção. O ex-militar vai responder pelo crime de homicídio culposo, art. 206 do Código Penal Militar (CPM). O julgamento em primeira instância aconteceu na Auditoria de Manaus.
O processo chegou ao STM após um recurso de apelação da Defensoria Pública da União (DPU) que recorreu com o pedido de absolvição do apelante, argumentando a atipicidade da conduta culposa. Narrou a defesa que no dia do acontecimento, o acusado estava manuseando a arma sem o carregador e dando tiros a “seco”. Nesse momento, após uma distração, o ex-soldado colocou o carregador e, ao efetuar o disparo, desferiu um tiro na vítima.
“Assim, impossível exigir-se do acusado a possibilidade de se antever um resultado danoso, levando-se em consideração, ainda, a ausência de falta de dever de cuidado. Desta forma, conclui-se que o evento estava totalmente fora da possibilidade de antevisão. Por isso, deve ser configurada a atipicidade da conduta culposa, haja vista a ausência de previsibilidade e a inexistência de falta de dever de cuidado, elementos imprescindíveis para adequação típica da conduta”, explicou a DPU.
A defesa requereu ainda a extinção da punibilidade do apelado em virtude da aplicação do instituto do Perdão Judicial, argumentando que apesar de não encontrar previsão na legislação castrense, o perdão judicial é medida de política criminal, permitindo ao juiz deixar de aplicar a pena em situações excepcionais.
MPM pede condenação
Ao contrário da DPU, o Ministério Público Militar (MPM) não enxergou argumentos para a modificação da sentença oriunda do julgamento realizado na Auditoria da 12ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM) em fevereiro de 2020.
De acordo com os argumentos do MPM, o episódio, que aconteceu no alojamento dos soldados do aeroporto de Guajará-Mirim/RO, acarretou a morte de um outro colega militar, alvejado com um disparo de arma de fogo, o que motivou a denúncia por parte do órgão. “Ao manusear arma de fogo em local impróprio, de forma desatenta e sem observar as regras de segurança prescritas, o soldado agiu com negligência e imprudência, redundando no disparo”, concluiu MPM.
Ainda de acordo com a acusação, a análise das circunstâncias que envolveram a conduta delituosa revelou que o disparo efetuado pelo réu contra o ofendido não decorreu de fatalidade ou falha do equipamento, mas sim de uma conduta voluntária, que aconteceu no momento em que fazia a demonstração da utilização da arma para os seus colegas de farda.
Ministro entende haver culpabilidade na conduta do soldado
O ministro Carlos Vuyk de Aquino, relator do processo no STM, ressaltou que o próprio acusado e testemunhas confirmaram os fatos relatados pelo MPM, quais sejam: ao fazer a referida demonstração, o réu conversava descontraidamente com outros soldados, introduziu o carregador municiado na pistola e deu um golpe na arma, carregando-a, e efetuou um disparo na direção da vítima, que estava sentada no beliche a sua frente.
“Assim, a conduta do réu contrariou as normas de segurança para o manuseio de armamento e também o Regulamento Interno e dos Serviços Gerais (RISG) do Exército Brasileiro, os quais estabelecem as situações e os procedimentos a serem adotados pelos militares de serviço, circunstância que, ao contrário do que sustentou a defesa, evidencia a ausência do dever de diligência exigido pela norma, o qual restou consubstanciado pela imprudência (prática de um fato perigoso) ou pela negligência (ausência de precaução ou indiferença em relação ao ato realizado), caracterizando-se a presença da inobservância do cuidado objetivo”, enfatizou Carlos Vuyk.
O ministro sustentou ainda que o manuseio do armamento por qualquer militar em serviço deve atender aos estritos termos das normas de segurança igualmente disseminadas, as quais devem ser rigorosamente observadas, sendo repelida qualquer atuação isolada como a descrita nos autos.
Da mesma forma, enfatizou em seu voto que, quantos aos requisitos relativos às previsibilidades objetiva e subjetiva, sua aferição pressupõe o exame de qual o cuidado exigível de uma pessoa prudente e de discernimento diante da situação concreta.
“A análise das circunstâncias que cercaram a prática delituosa revela que o acusado efetuou o disparo que vitimou o seu companheiro de farda, num contexto de imprudência, em local e circunstância inapropriada. Assim sendo, consistiu em conduta não tolerada no âmbito castrense, justamente porque os artefatos bélicos disponíveis para a guarnição dentro de uma unidade militar possuem alto poder de letalidade”, ressaltou o magistrado.
O ministro lembrou também que mesmo sendo o acusado conhecedor das regras de manuseio do armamento e embora possuindo habilitação para tirar o serviço portando a pistola 9mm, isso por si só não o autorizaria a dela fazer uso sem a devida autorização de seu superior, principalmente sob o argumento de que realizaria uma demonstração do uso. Afinal, além de ser noite, a alegada demonstração ocorreu no interior de um dormitório cheio de soldados, ou seja, em local absolutamente inadequado.
“Nesse contexto, é inegável o requisito da previsibilidade objetiva, pois qualquer indivíduo poderia antever o resultado danoso. Em conclusão, devidamente comprovadas a autoria, a materialidade e a culpabilidade na conduta do acusado, a qual encontra perfeita adequação ao delito pelo qual o réu foi condenado em primeiro grau, não merece reparo a decisão hostilizada. Diante disso, nego provimento ao Recurso defensivo, mantendo na íntegra a sentença hostilizada por seus próprios e jurídicos fundamentos”, concluiu o ministro.
APELAÇÃO Nº 7000279-73.2020.7.00.0000