O juiz federal da Justiça Militar da União em Fortaleza (CE), Atabila Dias Ramos, titular da Auditoria Militar daquela cidade, condenou seis civis pela montagem de um sistema fraudulento que lesou os cofres públicos em mais de R$ 400 mil. O esquema foi montado dentro de uma missão humanitária de distribuição de água aos atingidos da seca do semiárido nordestino, capitaneada pelo Exército e chamada de “Operação Pipa”.
Duas mulheres proprietárias de caminhões pipas foram condenadas a mais de dez anos de reclusão em regime fechado, e quatro supostos motoristas, civis, a mais de cinco anos de reclusão cada um deles. Apesar dos indícios da participação de militares na facilitação do esquema, principalmente em assinaturas falsas de documentos públicos, a investigação não conseguiu apontar as autorias.
O principal objetivo da Operação Pipa é abastecer com água as comunidades carentes que estão localizadas no polígono da seca, amenizando, assim, os impactos causados pela escassez de recursos hídricos. A população atendida pela operação é majoritariamente composta por pessoas pouco alfabetizadas e de baixo poder aquisitivo. Na distribuição de água, cabe ao Exército Brasileiro supervisionar o programa assistencial, credenciando motoristas para o cumprimento das múltiplas rotas de abastecimento. Assim, cumpre também aos militares, após prestação de contas dos “pipeiros”, identificar os serviços prestados e autorizar os respectivos pagamentos, de acordo com a quantidade de diligências realizadas.
No caso, o 23º Batalhão de Caçadores (23º BC), quartel do Exército sediado em Fortaleza, era a unidade responsável pela fiscalização e onde os réus fizeram os cadastros dos caminhões e dos motoristas. Ocorre que, após indícios de fraudes e com a investigação aberta pelo próprio Exército, identificou-se o uso de motoristas laranjas, muitos deles até sem saber dirigir caminhões, que receberam verbas públicas pela distribuição de água que nunca foi realizada junto às comunidades.
O Ministério Público Militar, ao fim das investigações do Inquérito Policial Militar (IPM), denunciou as duas irmãs, proprietárias de oito caminhões pipas, e ainda mais quatro homens que cederam seus nomes e documentos como motoristas na distribuição de água, em rotas específicas na zona rural dos municípios de Pedra Branca (CE) e Quixeramobim (CE), nos anos de 2016 e 2017.
Pelos supostos serviços pagos pelo Exército, os motoristas laranjas recebiam os pagamentos em suas contas bancárias e os repassavam às duas irmãs, que pagavam a eles valores fixos como comissão. Um deles chegou a receber mais de R$ 134 mil no período de 2016 e 2017.
Confirmação em juízo
Na ação penal ocorrida na 10ª CJM, os réus motoristas laranjas confirmaram ao juiz militar federal o funcionamento do esquema e confessaram serem titulares das contas bancárias onde os pagamentos eram efetuados. Por outro lado, as duas irmãs proprietárias dos caminhões negaram fazer parte do esquema e informaram que apenas figuravam como pessoas que faziam as transações administrativas e burocráticas da empresa, que na verdade pertencia ao irmão delas.
No julgamento de primeira instância, pelas provas dos autos, depoimentos colhidos em juízo e pela quebra de sigilo bancário, o juiz Atabila Dias Ramos, em decisão monocrática, considerou os réus culpados.
Ao fundamentar a culpa de um dos motoristas, o magistrado disse que o mesmo modus operandi foi executado. “Arregimentado pelas irmãs, o acusado aceitou figurar como motorista cadastrado na Operação Pipa em troca de extrair vantagens financeiras. Apesar de nunca ter dirigido um caminhão na vida, o réu recebeu em sua conta bancária extensos valores referentes a serviços não prestados”, escreveu.
Quanto às irmãs empresárias, o magistrado considerou que restou nítido que elas eram as mentoras do esquema criminoso. “Em síntese, a ideia consistia em registrar motoristas fictícios na Operação Pipa, falsear declarações de serviços cujos pagamentos seriam depositados nas contas bancárias dos irreais pipeiros, os quais, posteriormente, repassariam a maior parte do valor às irmãs. Conforme se afere pela documentação acostada em IPM, bem como pelas declarações em juízo, os quatro pipeiros confirmaram que o credenciamento e as prestações de contas eram realizados através das procuradoras", afirmou.
"É interessante notar que, na fase de inquérito, os réus disseram que nunca tinham comparecido ao 23º BC antes de serem chamados a depor no IPM e que, nos processos duplicados, as rubricas e assinaturas não eram suas, entretanto confirmaram serem suas as contas, agências e bancos nos RPS adulterados ou falsificados”, fundamentou.
Para o juiz, todos os motoristas afirmaram que entregavam seus documentos para "certas pessoas" (não se recordaram), as quais eram incumbidas de realizar o credenciamento e, em seguida, as prestações de contas. “Em verdade, os veículos vinculados aos pipeiros no credenciamento da Operação Pipa também eram de propriedade das irmãs. Os envolvidos assinavam os contratos de locação, que ao final se mostraram meras simulações, já que os quatros pipeiros sequer chegaram a conduzir um daqueles caminhões. Portanto, observa-se que, ab initio, as rés burlaram o cadastramento na Operação Pipa, uma vez que simularam os quatro contratos de aluguéis dos caminhões”.
Os quatro supostos motoristas foram condenados a mais de cinco anos de reclusão, em regime semiaberto e com o direito de apelar em liberdade. Já as duas irmãs, mentoras do esquema, receberam a pena mais grave, de dez anos e quatro meses de reclusão, em regime fechado, com direito a apelar em liberdade.
Além disso, todos os supostos motoristas foram condenados a devolverem os valores recebidos indevidamente dos cofres públicos. Ainda cabe recurso da decisão ao Superior Tribunal Militar, em Brasília.