Uma mulher teve a sentença de condenação mantida no Superior Tribunal Militar (STM), após forjar uma união estável com um idoso de 80 anos e ficar com a aposentadoria dele após a sua morte.
O caso ocorreu em abril de 2014, na cidade do Recife (PE). Ela foi condenada a três anos e dois meses de reclusão, em regime aberto.
A denúncia do Ministério Público Militar (MPM) conta que o Exército abriu um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar o cometimento de crime de estelionato, previsto no artigo 251 do Código Penal Militar. Segundo a acusação, a ré, uma jovem musicista do Recife, fez, em cartório, uma falsa declaração de união estável, não mencionando que era curadora do idoso, forjando, assim, uma união marital com "a deliberada intenção de simular um casamento falso para fins de obtenção de pensão militar futuramente, levando inclusive a erro o próprio militar, pessoa idosa, vulnerável, interditado, de quem era curadora, que na ocasião da lavratura da união estável contava com mais de 80 anos de idade”, afirmou a promotoria.
Após a morte do militar em 10 de março de 2016, a denunciada obteve o benefício de pensão militar, mediante a apresentação do documento de união estável, após omitir também, na organização militar, a condição de curadora.
O título foi cancelado pela organização militar após descobrir a farsa da união estável e a qualidade da denunciada de curadora do militar reformado. “ A denunciada agiu flagrantemente de forma consciente, voluntária e com má-fé, e confessou em seu interrogatório policial que foi feita a escritura pública de declaração de união estável ao invés do casamento civil, tendo em vista que o casamento não seria possível. Portanto, a empreitada delituosa foi esclarecida e confessada pela denunciada”, fundamentou o representante do MPM. O valor do prejuízo causado aos cofres público, atualizado em janeiro de 2019, foi de RS 122.460,07.
Na primeira instância da Justiça Militar da União, em Recife, a mulher foi condenada. Mas a defesa dela, feita pela Defensoria Pública da União (DPU) apelou junto ao Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília. Na peça, o advogado trouxe a tese de atipicidade (não haver crime) da conduta por ausência de dolo, invocando o princípio da presunção de inocência, sob o argumento de não existir prova quanto ao dolo (a vontade de cometer o crime). E pediu, de forma subsidiária, caso o Tribunal não acatasse a tese, a aplicação da pena no mínimo legal, informando ter havido excesso na pena aplicada em primeiro grau.
Julgamento no STM
Na Corte Militar, prevaleceu o voto da maioria dos ministros, que venceram os votos dos ministros relator e revisor, mantendo a decisão de primeiro grau sem alteração. O relator, José Coêlho Ferreira, manteve a condenação da acusada, mas decidiu acatar o pedido da defesa parcialmente para diminuir a pena. Para o ministro, o cometimento do crime restou demonstrado por meio dos depósitos efetuados pelo Exército e o Demonstrativo de Débito, que apontou que, entre novembro de 2017 e agosto de 2019, foram creditados na conta da pensionista o valor, corrigido monetariamente, de R$ 122.460,07.
Ainda segundo o ministro, apesar de a defesa alegar não ter havido crime, ante a inexistência de dolo específico, a acusada confessou nunca ter existido uma relação marital com o falecido militar, de quem era sobrinha e curadora; que sabia que o instituto da união estável se equipara ao casamento e que, apresentando a certidão, seria habilitada ao recebimento da pensão militar.
“A caracterização do meio fraudulento aparece quando se combina a inversão da realidade com a postura do agente. Nesse caso, há uma realidade mascarada, propositalmente deturpada dos fatos, capaz de, por si só, produzir uma fraude. Fraudar significa enganar, frustrar, e, em regra, no Direito Penal, vem associada à ideia de obtenção da vantagem indevida ou enriquecimento ilícito. Assim, se o sujeito se utiliza de documento ideologicamente falso para que a Administração Militar acredite que exista uma relação conjugal e permaneça em erro, está compactuando para que o órgão pagador efetue depósitos, creditando valores que são indevidos”, disse o magistrado.
Para José Coêlho Ferreira, os autos demonstraram que a apelante apresentou declaração de união estável que sabia não corresponder à realidade quanto à convivência entre ela e o militar morto, com intuito de se habilitar como pensionista e assim receber os valores que não fazia jus.
O ministro-revisor manteve a condenação da ré. Contudo, quanto ao alegado excesso de pena feito pela DPU quando da aplicação de duas circunstâncias inidôneas — a extensão do dano bem como o meio empregado — o ministro disse que assistia razão à defesa.
“A sentença fundamenta a fixação da pena-base acima do mínimo legal, em três anos e dois meses de reclusão, em razão do meio empregado (documento público falso) bem como a extensão do dano causado. Primeiramente, no tocante à extensão do dano, avaliado em R$ 122.460,07 (cento e vinte e dois mil quatrocentos e sessenta reais e sete centavos), apesar de representar um valor alto, entendo que este não corresponde a um montante vultuoso capaz de sobrepassar a vantagem ilícita exigida para a configuração do estelionato”, fundamentou.
O ministro disse, ainda, que com relação ao meio empregado, a apresentação de declaração ideologicamente falsa nada mais é que o “artificio, ardil ou qualquer outro meio fraudulento” utilizado para obtenção da vantagem ilícita, impondo-se a absorção do uso de documento falso pelo crime de estelionato sob pena de incorrer-se em bin in idem.
“No caso vertente, merecem prevalecer os critérios de razoabilidade e de proporcionalidade. Desse modo, a pena-base deve ser fixada no mínimo legal, a saber: dois anos de reclusão, conforme apregoa o art. 251 do CPM, considerando a primariedade da ré e os seus bons antecedentes. Não havendo circunstâncias agravantes ou atenuantes, assim como, ausentes causas de aumento ou diminuição, torna-se final a pena de dois anos de reclusão.”
Apesar disso, por maioria de votos, o Pleno do Tribunal Militar acatou a tese divergente, que manteve a sentença da Auditoria de Recife (7ª CJM) sem qualquer reparo.
Apelação 7000012-04.2020.7.00.00000