Em entrevista, vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos fala sobre o funcionamento da Corte e das expectativas em relação ao Encontro que discutirá o papel das justiças militares. O evento acontece em fevereiro de 2015 no STM, com a presença de membros da CIDH.

Roberto Caldas é um dos sete juízes da Corte da Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), com mandato de 2013 a 2018. O sergipano de Aracaju é o atual vice-presidente da Corte. Há mais de 25 anos advoga perante o Supremo Tribunal Federal e atuou em processos importantes que se tornaram precedentes. É especialista em Ética e em Direitos Constitucional, do Trabalho, Sociais e Humanos.

O juiz esteve no Superior Tribunal Militar na última sexta-feira (18) e se reuniu com a presidente Maria Elizabeth Rocha para tratar do Encontro que discutirá o papel das justiças militares e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O evento está sendo organizado pela Assessoria de Assuntos Internacionais da Presidência do Tribunal. “O Encontro é uma demonstração de maturidade democrática e institucional da Justiça Militar no Brasil, que certamente será um exemplo a ser seguido por outros países”, afirmou.

Na entrevista, Roberto Caldas explicou como funciona a CIDH e falou sobre o Encontro que reunirá juízes membros da CIDH, magistrados da Justiça Militar da União, membros do Ministério Público Militar, advogados, além de integrantes das justiças militares de outros países do continente americano.

Como o senhor define o papel da Corte Interamericana de Direitos Humanos?

A CIDH julga casos sob a ótica da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Esse tratado é uma espécie de constituição de direitos humanos para as Américas. Entre os países que ratificaram a competência jurisdicional da Corte, como é o caso do Brasil e de mais 22 países do nosso continente, a convenção entra no âmbito interno como norma jurídica. A maioria dos países entende que o documento tem estatura constitucional. No Brasil, a interpretação dada pelo Supremo é de que a Convenção tem natureza supralegal. Ou seja, se encontra no espaço entre as leis ordinárias e a Constituição. É uma lei que deve ser observada em todos os âmbitos e todas as jurisdições. É uma norma abrangente, de direitos fundamentais. A Convenção, além de dever ser interpretada pelos Estados nacionais signatários, deve ser interpretada em instância suplementar pela CIDH.

Como funciona esse sistema suplementar?

O sistema interamericano de Direitos Humanos é um sistema suplementar à jurisdição nacional dos diversos países. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte promovem a proteção aos direitos humanos e esperam que os Estados nacionais assumam o compromisso de regular em suas leis a proteção a esses direitos e acatar todos os termos da Convenção. Só em caso de desrespeito à Convenção é que as causas podem chegar ao sistema interamericano. Primeiro, à Comissão, que é uma espécie de primeira instância ou ministério público. Ela não é exclusivamente jurídica. Tem natureza política, administrativa também. Depois, existe a Corte, que é o único órgão tipicamente jurídico, onde chegam apenas casos emblemáticos, que possam servir de paradigmas para todos os países. Todas as decisões da Corte têm uma natureza interpretativa, que vinculam todos os Estados, ainda que não sejam parte.

O juízo de prelibação da Comissão não oferece a possibilidade de recurso no caso de pedido ou reclamação que não foram levados à apreciação da Corte. O senhor acredita na necessidade de uma modificação para que esses pedidos possam ser revistos por meio de uma instância recursal?

A proposição é interessante e já pensei sobre isso, mas não há precedentes. Eventualmente, quando algum direito fundamental que demande solução rápida não é levado à Corte, a parte interessada pode lançar mão de um pedido de medida provisional, uma espécie de medida cautelar. Nesse caso, a Corte pode atrair a causa, avocar-se a solução ao tomar conhecimento.

O que estamos obtendo junto à Comissão, por meio do diálogo, é o compromisso de trabalharmos com critérios de acesso das causas que sejam objetivos e permanentes, como critérios de tempo e da importância da causa do ponto de vista da matéria inovadora, pois a Comissão não leva adiante causas para as quais já existam precedentes na Corte. Esse aperfeiçoamento está em franco desenvolvimento.

Outro aspecto importante a se ressaltar é que o Brasil deu um passo importante ao garantir verbas para a tradução para o português das sentenças da CIDH. As traduções ficarão prontas em agosto e vai ser uma mudança muito positiva, pois estarão acessíveis a todos os magistrados, procuradores, advogados.

Nos dias 23, 24 e 25 de fevereiro de 2015, acontece no STM o Encontro “O papel das justiças militares e a Corte Interamericana de Direitos Humanos”. Que medidas podem surgir desse encontro?

O propósito do Encontro que a presidente Maria Elizabeth Rocha nos traz é de extrema importância porque permite um diálogo direto entre as cortes, possibilitando que os estandares internacionais sobre jurisdições militares e a jurisprudência da CIDH seja de imediato aplicado. Isso fortalece a Justiça Militar no seu âmbito de competência, pois está colocando em debate, com toda a transparência, os estandares das Cortes de Direitos - no nosso caso, a CIDH e certamente buscaremos outros exemplos na Corte Européia de DH que tem vários casos sobre jurisdições militares. É uma demonstração de uma maturidade democrática e institucional da Justiça Militar no Brasil, que certamente será um exemplo a ser seguido por outros países.


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