Qual é a importância para a sociedade brasileira dos projetos “JMU na História” e “Vozes da Defesa”?

Luiz Eduardo Greenhalgh:  O mais importante é que se trata de iniciativa do próprio STM. É a presidente ministra Elizabeth que está tomando, em nome da Corte, a dianteira no sentido de abrir os arquivos da Justiça mais antiga do Brasil, que é a Justiça Militar.

 

Serão abertos os arquivos do Brasil Colônia, do Primeiro Império, do Segundo Império, da Proclamação da República, da luta dos tenentes, até os dias de hoje, passando ainda pelo Regime Militar de 1964 a 1985.

 

Para os advogados que atuaram na defesa de presos políticos no regime militar essa divulgação é muito importante, porque aqui se chorava, aqui se denunciava, aqui se falava o que acontecia com nossos clientes nos boicotes e eu tenho muita curiosidade de saber qual era a reação dos ministros nas sessões secretas das denúncias que fazíamos.

 

Aqui eu aprendi muito. Não é verdade que o STM tenha sido uma Corte de exceção. Muitos dos seus ministros tinham propósitos garantistas, ações de retificação, sentiam-se constrangidos pelo que os advogados falavam sobre o que tinha acontecido aos nossos clientes na primeira instância.

  

É verdade que havia ministros muito conservadores, adeptos indiscutíveis, incondicionais do regime militar, mas também havia aqueles que começaram incondicionalmente na defesa do regime militar mas, diante das denúncias que fazíamos, foram abrindo os olhos, foram descortinando os seus horizontes e passaram a ser ministros garantistas.

 

Eu me lembro de vários momentos aqui no STM em que eu fazia denúncias. O que queríamos era que o STM mandasse apurar as denúncias e nós conseguimos muitas vezes.

 

Há alguma situação como essa que o senhor acabou de descrever que foi mais marcante?

 

Greenhalgh: Lembro-me de um episódio. Minha família é de militares. Eu tenho um antepassado que foi herói na Batalha do Riachuelo. O Guarda-Marinha nº 1 no Brasil recebe, até hoje, a medalha João Guilherme Greenhalgh.

 

E um dia eu vim aqui, fiz uma sustentação oral no caso do Aldo Arantes, da chacina da Lapa do PC do B. E contei a tortura sofrida por Aldo Arantes.  Depois que eu encerrei, o Tribunal entrou em recesso, fecharam-se as portas e uns 15 minutos depois um marinheiro disse que o ministro Júlio Bierrenbach queria falar comigo.

 

Fui ao seu gabinete e lá ele me perguntou “Doutor Greenhalgh, o que o senhor é do guarda-marinha?”, Respondi que era sobrinho-bisneto. Ele falou: “E o que o senhor está fazendo defendendo um subversivo?”. Eu disse a ele: “Eu estou defendendo cidadãos brasileiros, ministro”. Ele perguntou: “E aquilo que o senhor falou do Aldo Arantes é verdade? Ele foi mesmo torturado?”. Disse que sim. “Palavra de um Greenhalg?”, indagou o ministro.  “Palavra de um Greenhalg”, afirmei.

 

Ele voltou para a sessão e determinou a abertura de um inquérito para apurar as torturas que eu havia denunciado da tribuna. Esses são fatos memoráveis que, agora, com a divulgação desses documentos se tornarão públicos.

 

A história se reescreverá, escute o que eu estou lhe dizendo. A divulgação desses documentos completará a nova escrituração da verdade sobre o regime militar.

 

O senhor se emocionou ao ouvir, por alguns segundos, alguns áudios daquela época.

 

Greenhalgh: Vamos vivendo um pouco do passado. É trazer o passado para o presente. Naquela época, eram poucos os advogados que aceitavam vir aqui defender presos políticos, combater a Lei de Segurança Nacional, defender os direitos humanos.

 

Eram poucos. Lá em São Paulo se contava nos dedos. No Brasil, acho que não chegava a cinquenta o número de advogados que enfrentavam a Lei de Segurança Nacional nos tribunais militares.

 

Nós sofríamos, fomos perseguidos. O meu escritório foi baleado em São Paulo. O Belisário teve seu escritório arrostado e invadido por tropas do DOI-CODI.  Cada um de nós sofreu, naquela época, um tipo de perseguição. Fiquei realmente muito emocionado ao ouvir uma sessão secreta. E não vejo a hora de ter acesso a esses áudios.


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