O Superior Tribunal Militar (STM) manteve a condenação de um sargento do Exército acusado de ludibriar soldados recrutas, abusar da confiança, fazer empréstimos em nomes das vítimas e sacar os valores em proveito próprio. O militar foi condenado a um ano reclusão.

A denúncia oferecida à Justiça Militar da União (JMU) pelo Ministério Público Militar (MPM) conta que o terceiro sargento do Exército, do quadro de militares temporários de infantaria, causou prejuízos a seis soldados do 1º Batalhão de Guardas (RJ), no valor de R$ 3.052,83.

Segundo restou apurado no Inquérito Policial Militar, no dia 9 de novembro de 2012, um dos militares lesados foi abordado pelo réu, integrante do mesmo quartel, que lhe pediu para fornecer o cartão magnético e senha pessoal de sua conta corrente.

A alegação do sargento era de que sua conta corrente apresentava problemas e necessitava, com urgência, de uma conta emprestada para receber uma quantia que seria, então, depositada na conta da vítima. E, de posse de seu cartão magnético e senha, sargento realizaria o saque devolvendo o cartão posteriormente.

O pedido foi aceito e, no dia 19 de novembro, ao realizar um saque no caixa eletrônico do Banco do Brasil, o soldado recruta descobriu que havia a mensagem de ‘saldo insuficiente’ em sua conta.

Foi até a uma delegacia de polícia, registrou a ocorrência com o intuito de poder obter as imagens dos saques realizados em sua conta corrente. Ao ver as imagens do circuito interno de TV, identificou a fisionomia de um homem muito parecido com o terceiro sargento acusado. No quartel, o soldado comunicou o caso ao comandante imediato, que decidiu apurar os fatos. Na investigação foi descoberto que mais cinco soldados da 3ª Companhia de Fuzileiros do 1º Batalhão de Guardas também tinham sido lesados da mesma forma e com modus operandi semelhante.

“O ora denunciado, utilizando-se do mesmo ardil para com todos os ofendidos obteve para si vantagem ilícita, subtraindo valores de suas contas correntes. Todos os ofendidos alegaram que confiavam no sargento, graduado de sua subunidade, e tinham a convicção, na época, que o mesmo não iria fazer qualquer mal ou causar prejuízo a eles, por isso lhes forneceram cartão magnético e respectivas senhas”, afirmou o promotor em sua denúncia. Os valores subtraídos dos soldados recrutas variaram. O maior prejuízo foi um empréstimo e saque de R$ 1.954,88.

Em depoimento, um dos ofendidos disse que o réu devolveu todo o valor e que tinha feito “aquilo porque estava devendo dinheiro a uma pessoa, que faria uma covardia com ele”. Na ocasião ofereceu R$ 1.000 para que ele deixasse o assunto de lado, o que não foi aceito. Outra vítima disse ter o réu feito um empréstimo de quase R$ 2.000, também devolvido quase dois meses após os fatos. Disse também ter ele, igualmente, oferecido R$ 1.000 para silenciar-se.

“Ele não disse bem para que era aquele dinheiro, mas fez uma colocação como se estivesse sendo chantageado e que o irmão e a mãe dele corriam risco de vida. Ele era o sargento mais confiável do quartel, inclusive para o capitão, e ninguém acreditava que o acusado faria uma coisa dessa”, contou o soldado.

Embora tenha devolvido os valores subtraídos, ele foi denunciado à Justiça Militar da União na cidade do Rio de Janeiro, pelo crime previsto no artigo 251 do Código Penal Militar (estelionato), por seis vezes.

No julgamento de primeira instância na 2ª Auditoria do Rio de Janeiro, ele foi condenado à pena de um ano de reclusão, com o benefício do "sursis" pelo prazo de dois anos, o direito de apelar em liberdade e o regime prisional inicialmente aberto. A defesa dele, insatisfeita com a decisão, recorreu ao Superior Tribunal Militar, em Brasília.

O advogado pediu, preliminarmente, a nulidade pela não realização do julgamento monocrático do ex-sargento, agora civil, perante a Justiça Militar - o sargento não teve posteriormente o contrato renovado com o Exército. No mérito, requereu a desclassificação da conduta para infração disciplinar, porque ele teria restituído os valores sacados, antes da instauração da ação penal, e foi punido administrativamente pelo Comando, fato que motivou o seu desligamento do Exército. Também pediu a aplicação do princípio da insignificância.

No Superior Tribunal Militar 

Ao analisar o recuso de apelação, a ministra Maria Elizabeth Rocha negou provimento e manteve a condenação. Segundo a magistrada, o Poder constituinte primogênito, atento às peculiaridades dos bens jurídicos militares federais, entendeu por bem não restringir a competência da Justiça Federal Castrense apenas aos agentes militares e, por igual, abarcar os civis.

“No presente caso a conduta delitiva foi perpetrada dentro do aquartelamento, ao tempo em que o acusado era militar da ativa e sujeito às leis penais militares. O simples licenciamento do militar não acarreta a incompetência do Conselho Permanente de Justiça em julgar o feito. Assim, serve de norte para a delimitação da competência do Conselho Permanente de Justiça o princípio tempus regit actum”, fundamentou a ministra. 

Ainda de acordo com a relatora, não cabia o argumento defensivo de desclassificação da conduta para infração disciplinar, por não se tratar de pequeno valor a quantia de R$ 3.052,83, a superar, em muito, os “parcos soldos de um Soldado do Exército". Mesmo que se considere o valor obtido individualmente em prejuízo de cada ofendido, inexiste também pequeno valor”.

No tocante à incidência do § 2º do artigo 240 do CPM (aplicável ao criminoso que, sendo primário, restitui a coisa ao seu dono ou repara o dano causado, antes de instaurada a ação penal), ela observou já ter sido a sanção reduzida em 2/3 em face da referida causa especial de diminuição de pena, tendo sido empregado o quantum máximo.

“Para além, não prospera a tese de aplicação do princípio da insignificância. É sabido que o postulado demanda o reconhecimento dos seguintes requisitos: conduta minimamente ofensiva; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e lesão jurídica inexpressiva. Nesse sentido, não deve incidir a bagatela, devido não só ao contexto social dos militares envolvidos, mas à reprovabilidade da conduta atentatória à disciplina e depreciatória do sentimento de lealdade e confiança entre os companheiros de farda, circunstâncias imprescindíveis para a unidade da tropa e o convívio social no interior do aquartelamento”.

O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as preliminares suscitadas pela Defensoria Pública da União, de incompetência da Justiça Militar da União e do Conselho de Justiça para o julgamento de militar licenciado; bem como de nulidade e suspensão do processo e do prazo prescricional, pela não aplicação do artigo 366 do CPP. No mérito, por unanimidade, conheceu e negou provimento ao recurso defensivo, para manter a sentença de primeira instância.