Os desafios e perspectivas da condição feminina na sociedade brasileira contemporânea inspiraram o último debate do IV Congresso Internacional de Direito da Lusofonia, no Dia Internacional da Mulher.
O coordenador da mesa, o ministro do STF Carlos Ayres Britto, abriu os trabalhos, com um poema de sua autoria em homenagem às mulheres:
“Deus somente se convenceu de que era Deus quando criou o molde da primeira mulher. Fez tudo de uma só vez, eufórico, por saber que ali fincava o marco da sua própria superação.”
Participaram do encontro mulheres do meio jurídico, como ministras de Tribunais Superiores e advogadas, professoras e outras lideranças. Todas as intervenções trouxeram histórias de superação e desenvolvimento pessoal num mundo em que os principais postos de comando ainda são dos homens.
Duas delas foram bastante representativas desse processo: o trabalho da professora Glória Moura - Comissão Brasileira Justiça e Paz - com mulheres quilombolas e a primeira mulher a pilotar aeronave de caça da Força Aérea Brasileira e o avião presidencial, a capitão aviadora Carla Borges.
A advogada-geral da União, Grace Mendonça, afirmou que, naquele Dia 8 de Março, todas as mulheres presentes devem ter se dado conta do quanto precisam avançar para alcançar o direito de “ser igual”.
“Sabemos das dificuldades que são intensas e das lutas que são completamente diferenciadas”, afirmou. Segundo ela, a AGU tem 48% das vagas ocupadas por mulheres, o que é possível graças ao concurso público. E resumiu: a “era da repressão” dá lugar à “era da superação”.
A fala da ministra do Tribunal Superior Eleitorial (TSE) Luciana Lóssio falou sobre o fato de as mulheres serem minoria no mundo político, o que gira em torno de 10% do total de componentes.
Lembrou, ainda, que o Brasil perde para toda a América Latina nessa representação. Como mensagem final, disse que a mulher não deve apenas cumprir as leis, mas fazer as leis que irão contribuir com a melhoria do nosso país.
A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Maria Thereza Moura falou sobre a questão da mulher encarcerada. Ela comentou que historicamente não se ouvia falar na mulher envolvida em práticas ilícitas, mas no mundo moderno os crimes passionais, o furto e o tráfico de entorpecentes ganham espaço no meio feminino.
Em seguida a ministra do STJ relatou dados alarmantes sobre a presença das mulheres nos presídios do Brasil: são cerca de 6,5% por cento da população presa e os números subiram de 5.600 mulheres, em 2000, para 37.000, em 2014.
A taxa de crescimento foi superior à de homens encarcerados que subiu 220%, no mesmo período. Como causas desse quadro, apontou, entre outros, a falta de escolaridade e a carência financeira.
Outro dado chamou atenção: 58% das mulheres estão presas por tráfico de drogas. Uma das causas, segundo a magistrada, é o envolvimento emocional com parceiros que são usuários, sendo presas ao levarem entorpecentes para os compannheiros na cadeia.
Outras estatísticas completaram a exposição: de 1.400 unidades, apenas 103 são para mulheres; 17% são mistas, uma adaptação que não está prevista em lei; 50% das mulheres presas têm entre 19 e 29 anos; 57% são solteiras e têm filhos; duas em três são negras; apenas 11% têm ensino médio; são oriundas de classes mais pobres e exerciam trabalho informal antes da prisão; um terço das mulheres presas ainda não tinham condenação.
Entre as histórias mais dramáticas, a ministra citou o exemplo de uma mulher presa em estado avançado de gravidez e que teve seu bebê sozinha numa solitária.
“O mundo ainda é dos homens”, constatou a advogada Samantha Meyer, ao lembrar que a maioria dos cargos de comando ainda são ocupados por homens e que esses ganham cerca de 30% a mais.
No entanto, destacou que a mulher é protagonista na esfera dos programas sociais e na vida comunitária: no Bolsa Família, cerca de 90% são mulheres; segundo o IPEA, o número de famílias chefiadas por mulheres dobrou nos últimos 20 anos.
Sobre a chamada dupla jornada, afirmou que pouca coisa mudou: as mulheres dividem o tempo do trabalho com o das tarefas domésticas, dedicando à casa o dobro de sua disponibilidade, se comparado à sua vida profissional.
A globalização dos direitos humanos
“Porque os direitos fundamentais têm prevalência sobre os outros direitos?”, perguntou o professor emérito da Faculdade de Direito da USP, Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
E a resposta veio em seguida: os direitos fundamentais são decorrentes da condição do homem, são “direitos naturais”.
O professor explicou que o conceito já estava presente em Aristóteles e na filosofia estoica e foi destacada pelo direito romano.
Citou Cícero, ao afirmar que os direitos naturais são a projeção da razão humana na natureza do homem. Segundo Ferreira Filho, esse é o cerne da doutrina dos direitos fundamentais e gerou os desenvolvimentos posteriores.
Na Idade Média, lembrou a contribuição de São Tomás de Aquino ao postular que a lei natural é a projeção da mente divina na mente humana. De acordo com o cristianismo, lembrou o professor, o ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus, o que lhe dá prerrogativas diferentes de outros animais.
Nos séculos posteriores, ocorreu a especificação do direito natural em pretensões fundadas na natureza humana.
Ferreira Filho explicou que a constituição alemã de 1949 introduziu o conceito de dignidade da pessoa humana, termo que passou a repercutir em outros documentos, como na própria Constituição Brasileira.
Ele avalia que o conceito é melhor do que o de natureza humana, mas talvez a formulação não seja vantajosa, pois retira a questão do campo objetivo, para um campo multicultural. Deu como exemplo a discussão sobre o uso da burca, por muçulmanos que moram na França. E deixou a pergunta: o uso dessa indumentária é ou não atentatória à “dignidade humana”?
Segundo o professor, uma das soluções para o impasse é estabelecer critérios para a determinação de quais sejam os direitos fundamentais: devem ser universais, ter um valor moral, ensejar proteção pelo direito, devem ser tratados como princípios e não como regras, de forma que sejam adaptados às circunstâncias.
Encerramento dos trabalhos
Ao final do dia de atividades, a coordenadora do evento, ministra Maria Elizabeth Rocha, fez o encerramento do IV Congresso Internacional de Direito da Lusofonia.
A ministra agradeceu a todos os que contribuíram para a realização do evento e afirmou que a relevância dos debates sobre interesses comuns lança “luzes sobre as dinâmicas culturais jurídicas nos espaços públicos da lusofonia”.
Ao declarar encerrados os trabalhos, o presidente do STM, ministro William de Oliveira Barros, afirmou que, além da troca de conhecimentos e compartilhamento de conhecimentos, houve o estreitamento dos laços entre os participantes.
Ele dedicou aos palestrantes uma menção especial pelos trabalhos apresentados.
Congresso de Lusofonia é destaque na TV Justiça e na Rádio Justiça
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