O Superior Tribunal Militar (STM) considerou inocente um ex-cabo do Exército que se apropriou de cartuchos de munição, após ter sido condenado na primeira instância a oito meses de detenção, por furto. A Corte entendeu que o material subtraído, no valor de R$ 12,99, não se constituiu um crime.
Durante o interrogatório, o acusado afirmou que subtraiu as munições para guardar como recordação do período em que serviu no 20º Grupo de Artilharia de Campanha Leve, em Barueri (SP).
Contou também que havia subtraído dezessete munições de festim, em 2011, quando “estava auxiliando o tiro dos recrutas” e que a munição de calibre 7,62 e a de calibre 9 mm foram subtraídas em ocasiões distintas.
Em 2016, o Conselho Permanente de Justiça, com sede em São Paulo, por maioria de votos (4x1), julgou procedente a denúncia e condenou o acusado por furto. O Conselho julgador reconheceu a figura do furto atenuado, conforme o § 1º do art. 240 do CPM, por considerar a coisa furtada de pequeno valor.
Ao apelar ao STM, a defesa requereu a aplicação do princípio da insignificância, por atipicidade da conduta, e aplicação do “erro de proibição”, por ausência de culpabilidade. Levantou também a hipótese de ausência de materialidade do delito, ou seja, não haveria comprovação do potencial lesivo das munições a ponto de justificar uma condenação.
Ao apreciar o processo em Plenário, o ministro Odilson Sampaio Benzi declarou que não seria o caso um “erro de proibição”, como alegava a defesa, uma vez que o acusado agiu com dolo e conhecimento da ilicitude do fato.
Segundo o ministro, o acusado sabia que levar qualquer bem pertencente à Administração Militar para a residência, sem autorização legal ou, no mínimo, sem permissão do superior hierárquico, configura, em tese, crime previsto no Código Substantivo Castrense.
O magistrado também descartou a hipótese de ausência ou insuficiência de provas para a condenação, por razões como as seguintes: as munições foram encontradas na residência do acusado, o próprio réu reconheceu a autoria e materialidade do fato e o delito é “crime de perigo abstrato”, não necessitando de resultado naturalístico.
Atipicidade da conduta e insignificância
Por fim, o relator acatou a tese da defesa, que propunha a atipicidade da conduta do réu e a aplicação do princípio da insignificância. Durante o interrogatório, o militar havia afirmado que por não haver nenhum tipo de controle com relação às munições de festim – que sobravam do treinamento – ele entendeu que não haveria problemas em levar algumas para sua residência.
Esclareceu também que não pensou em devolver as munições porque o objetivo era guardá-las de lembrança, como sabia de outros ex-militares que também levaram “munições a título de recordação” para casa.
“Ao contrário de outros feitos semelhantes e julgados por esta Corte de Justiça, a meu ver, o caso em colação não demonstrou periculosidade suficiente na ação para imputar ao acusado crime de natureza militar, haja vista que, devido à falta de ofensividade na conduta do agente, não ocasionou qualquer risco ou prejuízo para a caserna” afirmou o ministro.
“Assim também, não vislumbrei lesão expressiva, com gravidade elevada e em condições de colocar o bem jurídico protegido em perigo real ou até mesmo em perigo iminente.”
Odilson Benzi afirmou não ser constatado nos autos um elevado grau de reprovabilidade na conduta do réu, pois seu comportamento, “embora, de fato, seja inadmissível”, não gerou nenhum prejuízo expressivo à sociedade.
Ficou patente que o acusado não agiu com a intenção direcionada em subtrair munições para abastecer o tráfico ou o mercado negro, muito menos para utilizá-las no cometimento de outros crimes.
As munições, quando foram encontradas, estavam devidamente acomodadas dentro de um recipiente, no guarda roupas do acusado, depois de quase quatro anos, fato que, segundo o relator, “só vem confirmar a verdadeira intenção do ex-militar, qual seja, guardar aquele material como recordação, conforme ele próprio declarou perante o Conselho de Justiça”.
Sobre a matéria, o ministro citou decisões recentes do próprio STM, que também consideraram atípicas condutas semelhantes e a aplicação do princípio da insignificância.
Os casos julgados anteriormente, tratavam, em um processo, da subtração de três cartuchos de munição, somando R$ 9,00, e, no outro, tratava-se de três munições no valor total de R$ 2,88. As duas ocorrências também estavam relacionadas com a intenção de guardar o material de lembrança em casa.
O magistrado citou também uma decisão do STF, de 2013, sobre o tema da tipicidade penal, segundo a qual a “tipicidade penal não pode ser percebida como o exercício de mera adequação do fato concreto à norma abstrata”.
Continua o STF: “Além da correspondência formal, a configuração da tipicidade demandaria uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, para verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado.” (HC nº 119621/MG, Min CÁRMEN LÚCIA, julg. em 05/11/2013).
“Pautando-se, assim, na doutrina e na jurisprudência, infere-se que, no caso em exame, mesmo que a conduta do ex-militar tenha se enquadrado na tipicidade formal – que é a adequação do fato à norma, pelo visto, não se encaixou na tipicidade material – que é a lesão ou ameaça de lesão intolerável e contundente ao bem jurídico protegido provocada pela conduta do agente”, concluiu o ministro.