O Superior Tribunal Militar (STM) manteve a prisão preventiva de um ex-soldado do Exército acusado de matar outro recruta da mesma Força com diversas facadas, em suposto ritual de magia negra
O habeas corpus foi impetrado pela Defensoria Pública da União em favor do ex-militar, que responde à ação penal na primeira instância da Justiça Militar da União, em Santa Maria (RS).
O ex-soldado, preso há dois anos, alegou estar sofrendo constrangimento ilegal em decorrência de ato praticado pelo juízo de primeiro grau, que indeferiu pedido de concessão de liberdade provisória, mantendo a prisão.
Segundo a denúncia do Ministério Público Militar, no dia 1º de setembro de 2015, por volta das 20h, nas imediações do Parque Jóquei Clube, em Santa Maria, o acusado usou uma faca para cometer o homicídio.
A vítima era um amigo e colega de farda do acusado, e foi atingida com diversos golpes de faca ao redor do coração e do pescoço. O delito teria sido cometido com o intuito de obter vantagem junto a uma seita de magia negra, mediante o sacrifício de vida humana. Na ocasião, ambos os militares serviam no 6º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado de Santa Maria.
O rapaz está preso desde o dia 15 de janeiro de 2016, quando o processo ainda se encontrava a cargo da Justiça Comum Estadual. Após definida a competência da Justiça Militar da União para processar e julgar o caso, a custódia preventiva foi mantida.
No pedido de relaxamento da prisão, a Defensoria Pública da União suscitou a incompetência da Justiça Militar da União para processar e julgar o feito, com a tese da superveniente perda da condição de militar da ativa pelo acusado, excluído do Exército a bem da disciplina desde outubro de 2015, e de não ter o crime relação com as atividades essenciais das Forças Armadas.
A defesa alegou inclusive excesso de prazo da prisão preventiva, afirmando não mais subsistirem os fundamentos de manutenção da prisão, pois, não sendo mais ele militar, não há que se falar em lesão à hierarquia e à disciplina militares, além de já terem sido colhidas todas as provas criminais.
Já a Procuradoria-Geral da Justiça Militar da União opinou pela denegação do habeas corpus.
Segundo o órgão de acusação, “a liberdade do réu colocaria em risco a tranquilidade social, sobretudo por ter sido um delito que chocou a população local em decorrência do modo macabro de sua execução e da sua gravidade concreta, trazendo um sofrimento totalmente desnecessário à vítima, diante de um motivo incomum para crimes dessa natureza, qual seja, de ser efetuado um ‘sacrifício humano’ para obter vantagens em seita de magia negra”.
Para o Ministério Público, a periculosidade do ex-soldado restou clarividente, “não só pela frieza em praticar crime de homicídio em face de um colega de farda, sem aparente justificativa para tamanha crueldade, mas sobretudo pela dispensa solicitada pela própria companheira do acusado de prestar seu depoimento em juízo na frente do réu, pleito prontamente deferido pelo escabinato. Tais fatos revelam que a concessão da liberdade provisória nesse momento traria repercussões danosas e prejudiciais ao meio social, razão pela qual permanecem hígidos os motivos autorizadores da prisão preventiva”.
Voto do relator
Ao apreciar o remédio constitucional, o ministro-relator, William de Oliveira Barros, decidiu manter a prisão preventiva do réu. Segundo o magistrado, além da inequívoca ausência de arrependimento, é presumível que, se solto, ele poderia reiterar a prática criminosa.
“Assim, emerge dos documentos que instruem o presente habeas corpus a periculosidade do agente, conforme demonstram os registros em sites de relacionamentos com gravuras e elementos voltados a rituais macabros, de forma que subsistem os requisitos ensejadores de permanência da custódia”, fundamentou o relator.
Ainda de acordo o ministro William Barros, a periculosidade emerge das declarações do acusado prestadas na fase policial, nas quais narra com riquezas de detalhes o “modus operandi”. “Declarações revelam que a concessão da liberdade ao paciente vai de encontro à manutenção da ordem pública, na medida em que não esboçou o menor temor para cumprir o seu objetivo, a ponto de ceifar friamente a vida de um companheiro de caserna, sendo forte a presunção de que poderá atentar contra a integridade de pessoas indefesas, haja vista a finalidade macabra que motivou o seu ato”.
Para o ministro, não obstante os fatores que impediram a célere tramitação do processo, como o conflito de competência, ainda assim a ação penal se desenvolveu em prazo razoável, encontrando-se na fase de dilação probatória, com a possibilidade de ser julgada até março deste ano, conforme anunciou o Juízo da 3ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM).
Conflito de competência
O caso foi objeto de conflito de competência entre a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul e a Justiça Militar federal, dirimido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em junho do ano passado, o ministro Felix Fischer, do STJ, conheceu, em conflito de competência, o juízo auditor da 3ª Auditoria da 3ª CJM, sediada em Santa Maria, como competente para julgar crime doloso contra a vida.
Na época do crime, o Ministério Público estadual ofereceu a denúncia, que foi aceita pelo Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria. Posteriormente, o Ministério Público Militar também ofereceu a denúncia, sendo recebida pelo Juízo da 3ª Auditoria da 3ª CJM. Assim, o mesmo fato estava em trâmite na Justiça Militar e na Justiça Estadual.
Na justiça comum o caso estava na fase do judicium accusationis do Tribunal Popular do Júri. Ou seja, na primeira fase do júri, esperando a decisão do Juiz, que pode ser de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação. Na Justiça Militar, o Juízo da 3ª Auditoria da 3ª CJM, por meio do Conselho Permanente de Justiça para o Exército, de forma unânime, após o recebimento da denúncia, suscitou ao Superior Tribunal de Justiça o conflito positivo de jurisdição, figurando como suscitante a 3ª Auditoria da 3ª CJM (Juízo Militar Federal) e suscitado, a 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, que é o Juízo Estadual.
Conforme o ministro Felix Fischer analisou, "trata-se de suposto crime de homicídio praticado por soldado do Exército contra outro soldado, ambos fora de serviço e sem atuação funcional no momento da prática delitiva, situação essa que, por si só, não afasta a incidência da Justiça Castrense. Autor e vítima eram militares em situação de atividade, fato que atrai a competência para a Justiça Especializada".
A sessão de julgamento foi transmitida ao vivo pela internet; Assista.
Processo relativo:
Habeas Corpus Nº 114-31.2017.7.00.0000/RS