“A mulher na ordem jurídica brasileira” foi tema de painel do Curso de Formação para fins de Vitaliciamento de Magistrados da Justiça Militar da União de 2018, apresentado nesta terça-feira (20), no Superior Tribunal Militar (STM).

A ministra do STM Maria Elizabeth Rocha, a juíza titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar de São Sebastião (DF), Rejane Suxberger, e a professora de Direito Fernanda Lage abordaram diferentes aspectos do assunto em suas participações.

O Curso de Formação é promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados da Justiça Militar da União (ENAJUM), e acontece no período de 19 a 23 de fevereiro.

Lei Maria da Penha

A ministra Maria Elizabeth Rocha falou sobre a conquista dos direitos da mulher, traçando um histórico da legislação constitucional e infraconstitucional do tema no ordenamento pátrio, citando também os tratados internacionais de direitos humanos.

Ela considera que as medidas legislativas que vêm sendo adotadas, tanto interna quanto externamente, em favor das mulheres são conquistas das sociedades como um todo. Nesse contexto, a magistrada destacou a Lei 11.340/2006.

“Efetivamente, foi a Lei Maria da Penha que fez emergir na nossa normatividade jurídica uma nova modalidade de política criminal: aquela que visa defender a mulher das agressões sofridas no ambiente familiar com rigor maior do que até então previsto”.

Maria Elizabeth relembrou que a lei emergiu de relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre a violência contra a mulher no seio familiar no Brasil.

“Como consequência da promulgação da lei, se afastou a vil política despenalizadora que balizava processos dessa natureza a tal ponto de se converterem as penas em multa ou pagamento de cestas básicas”, ressaltou a ministra.

Legítima defesa da honra

A juíza titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar de São Sebastião (DF), Rejane Suxberger, também fez um breve apanhado da legislação brasileira sobre a mulher, destacando que apesar de avanços, o espaço da mulher ainda continua reduzido tanto no aspecto profissional quanto social.

“Quando vamos estudar a legislação, vemos que isso acontece desde sempre”, afirmou a magistrada, citando o código filipino, que vigeu na época colonial de 1532 a 1822, no qual, por exemplo, a mulher era considerada como propriedade do homem e poderia ser morta em caso de suspeita de adultério.

Ela ressaltou que esse tipo de situação perdurou até 1830, quando um novo Código Penal promoveu mudanças: “Passou a ser proibido matar a mulher, desde que não houvesse traição. Se houvesse, a pena era atenuada”, afirmou.

A magistrada destacou que essa questão da legítima defesa da honra ainda é citada nas salas de audiência pelos homens como justificativa para a violência doméstica.

“Ouço todas as tardes homens justificando a violência com a traição da mulher, suspeita de adultério, ela ter ficado no bar com as amigas até mais tarde, ou uma mensagem no celular. Existe uma defesa em torno da honra, que é inabalável e que é atingida pela mulher”, afirmou.

A juíza destacou que, até 2005, existiu a figura da mulher honesta no Código Civil. “Tal figura saiu da legislação, mas permanece nas salas de audiência. A mulher que merece proteção é a recatada, a delicada, a que obedece aos requisitos de feminilidade”.

A magistrada então fez a pergunta: como os tribunais estão julgando a violência contra a mulher? Ela citou um trecho de um acórdão de 2016 em que o desembargador considerou como mera perturbação à tranquilidade o fato de um marceneiro ter passado a mão nos seios e nos órgãos genitais de uma menina de 13 anos quando foi instalar móveis na casa da vítima.

Outro aspecto abordado pela palestrante foi o da mulher infratora. A magistrada considera que também nesse aspecto, a mulher é vítima de violência institucional, já que o sistema punitivo foi feito por homens para homens. “O sistema carcerário não foi feito para receber mulheres. Não se defende aqui a falta de punição, mas sim que o sistema prisional esteja preparado para receber mulheres”.

Novo modelo de Estado

Já a professora de Direito Fernanda Lage abordou o tema da igualdade de gênero sob a luz da teoria política e questionou: “O Estado brasileiro garante a igualdade? O que uma mulher é efetivamente capaz de ser e de fazer hoje”?

A pesquisadora defendeu que o Estado deve perceber quais são as desigualdades que impedem a mulher de progredir e de ocupar o espaço que deseja ter na sociedade.

“É preciso que se construa uma nova teoria social e política à luz dessas desigualdades. Ver a mulher não apenas como uma vulnerável, mas como uma agente de mudanças. É necessário também que a mulheres se engajem mais e tenham mais abertura para desenvolver suas capacidades. Mas para que elas sejam agentes, o Estado tem que cumprir alguns requisitos”, alertou.

Para Fernanda Lage, o Estado deve garantir condições de igualdade e os meios efetivos para que a mulher alcance aquilo que ela deseja. Por exemplo, garantir creches para filhos, acesso à escola e à universidade. São necessárias políticas efetivas e reais de acesso para que as mulheres possam concretizar os seus planos. Ela defende maior participação de mulheres em cargos de direção, na vida acadêmica, na política e no mundo jurídico.

Assista às palestras aqui.

 


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