Na sessão de julgamento desta quinta-feira (23), o Superior Tribunal Militar (STM) decidiu, por maioria de votos, revogar a prisão preventiva de nove militares envolvidos na morte de dois civis, na região de Guadalupe (Rio de Janeiro), no dia 7 de abril. A decisão foi proferida no julgamento de habeas corpus que pedia a soltura dos militares, presos preventivamente desde o dia 10 de abril.

Os ministros retomaram o julgamento que havia sido suspenso no dia 8 de maio em razão de um pedido de vista do ministro José Barroso Filho. Naquela ocasião, cinco ministros já haviam pronunciado seus votos: quatro pelo relaxamento da prisão e um pela sua manutenção.

No dia 11 de maio, o juízo da 1ª Auditoria da 1ª CJM, primeira instância da Justiça Militar da União, recebeu denúncia contra 12 militares envolvidos na morte dos dois civis no bairro de Guadalupe. Eles foram denunciados pelos crimes de homicídio qualificado (artigo 205, parágrafo 2º, do Código Penal Militar) e por não terem prestado assistência às vítimas (Art. 135 do Código Penal comum).

Dos 12 militares que respondem ao processo judicial, três deles – dois motoristas e um que não disparou nenhum tiro – não tiveram relação direta com a morte dos civis e por isso não foram alcançados pela prisão preventiva.

Retorno de vista do HC

No habeas corpus julgado nesta quinta-feira, a defesa questionava a prisão preventiva dos militares, decretada pela juíza federal da Justiça Militar Mariana Campos. Segundo o pedido, trata-se de “um suposto crime em tese” e “sem qualquer investigação a comprovar sua existência” e sem indicar que tipo de “fato ou atos estariam ou teriam realizado os pacientes, capazes de impedir suas liberdades provisórias”.

Segundo o HC, os fatos se deram “em área sob administração militar onde os pacientes se encontravam em patrulhamento regular de proteção de uma Vila de Sargentos, cujo entorno é cercado de comunidades conflagradas com diversas ameaças, violência e até ataques às guarnições”.

No seu retorno de vista, o ministro José Barroso Filho votou no sentido de manter a prisão preventiva do único oficial entre os réus, um tenente que era o comandante do pelotão no dia dos fatos. Para o ministro, a manutenção da prisão do tenente se justifica pelo fato de ele ostentar a condição de superior hierárquico dos demais militares. Por essa razão, deveria zelar, antes de todos, pelos valores da hierarquia e disciplina militares. Além disso, devido à posição que ocupa, a sua soltura poderia resultar no constrangimento dos demais militares que respondem ao processo.

Já para os demais militares (praças), o ministro pediu a aplicação da medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno – prevista no artigo 319 do Código de Processo Penal comum (CPP) –, que se estenderia das 20h às 5h da manhã do dia seguinte, a ser observada também nos dias de folga, até o ato de qualificação e interrogatório dos réus. Decidiu aplicar também a vedação de portarem armas em situação de atividade, como, por exemplo, no âmbito das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

Concessão da liberdade

O relator da ação, ministro Lúcio Mário de Barros Góes, votou em favor da soltura dos militares, decisão seguida por outros 10 ministros. Em seu voto ele fez uma defesa da presunção da inocência e do instituto da prisão preventiva como medida excepcional. Ele lembrou que inicialmente havia negado o pedido de soltura dos militares, ao apreciar monocraticamente o HC, no dia 12 de abril e, portanto, antes de o pedido chegar a plenário.

Naquela ocasião, o ministro reafirmou que a juíza que decretou a prisão preventiva “fundamentou suas razões de decidir na consideração do fato atribuído aos flagranteados que, em tese, teriam sido flagrados cometendo crime militar, em virtude de terem, supostamente, disparado arma de fogo contra veículo particular, vindo a atingir civis, levando a óbito um civil”.

A fundamentação para a decretação da prisão preventiva foram os artigos 254 e 255, alínea "e" (“exigência da manutenção das normas ou princípios de hierarquia e disciplina militares, quando ficarem ameaçados ou atingidos com a liberdade do indiciado ou acusado”), ambos do Código de Processo Penal Militar .

“Não se discute que a preservação das normas e princípios de hierarquia e disciplina é fundamento idôneo para a decretação da prisão preventiva, quando, em razão da liberdade dos indiciados, tais pilares ficarem ameaçados. Contudo, atualmente, o cerceamento da liberdade dos Pacientes não mais se sustenta, notadamente porque os mesmos permanecem presos desde os fatos, sendo que eventual abalo na hierarquia e disciplina militares, no âmbito da Unidade Militar, já se revelou afastado pela pronta custódia, pela instauração do procedimento policial e pela certeza de resposta penal a ser dada aos fatos pelo Juízo Militar”, afirmou o ministro.

A ministra Maria Elizabeth Rocha votou pela manutenção da prisão. Segundo ela, os réus colocaram em risco a população local sob a justificativa de proteger bens patrimoniais, sendo evidente a desproporcionalidade da ação. Ela afirmou que ainda que supostos assaltantes estivessem no carro suspeito, outra deveria ser a abordagem com, no mínimo, uma ordem para colocarem suas armas no chão e as mãos na cabeça ou ao alto. Mas, pelo contrário, como pontuaram as testemunhas, os militares já teriam chegado ao local atirando, sendo que ninguém viu ou ouviu qualquer tiro ser disparado em direção à tropa, ao contrário do que alegam os militares.

Segundo a ministra, a “desproporção de forças era patente”. Além disso, lembrou que não se encontrou vestígios de disparos na viatura militar e nem mesmo em seu entorno. Diante disso a ministra questionou se de fato houve algum confronto apto a ensejar esta “lamentável ação”.

Ela afirmou em seu voto que o que se passou no dia 7 de abril foi muito mais grave do que simplesmente ferir os institutos da hierarquia e disciplina. A ministra sustentou que os militares mentiram ao forjar fotos com o intuito de simular que eles haviam sido alvejados e, por isso, teriam revidado com os disparos que fizeram contra as duas vítimas.

“Verifica-se, em tese, uma ação completamente desmedida e irresponsável desencadeada por um roubo ocorrido momentos antes e que não se encontrava mais em curso, inexistindo, a prima facie, qualquer ameaça iminente, situação de risco para possíveis vítimas civis de roubo, ou, sequer, pessoa armada. Destarte, de fato, foi engendrado um esquema para escamotear a verdade. Daí o perigo de colocar em liberdade os envolvidos e estes novamente buscarem manipular as investigações”, afirmou.

Ao proferir seu voto, o ministro José Coêlho Ferreira ressaltou a gravidade do fato – duas vidas foram ceifadas – e que o que está em análise é se ainda está presente a fundamentação da prisão preventiva em questão, conforme o artigo 255, alínea “e”, do Código de Processo Penal Militar (CPPM): “exigência da manutenção das normas ou princípios de hierarquia e disciplina militares, quando ficarem ameaçados ou atingidos com a liberdade do indiciado ou acusado”.

O ministro declarou que a prisão preventiva deve ser a última ratio (recurso) a se lançar mão. Por essa razão, ele disse acreditar que devem ser aplicadas aos militares medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal comum em lugar da prisão preventiva. Para o tenente, o ministro aplicou a proibição de manter contato com os moradores que possuem residência nas adjacências do local do crime e proibição para que o oficial mantenha contato com os demais réus que lhes eram subordinados na data dos fatos, até o término da instrução do processo de origem.

Para todos os militares, o ministro determinou o recolhimento domiciliar no período noturno e nos períodos de folgas, salvo se for para o fim de frequência em cursos. Além disso, ele incluiu a proibição de realizarem prática de atividades externas, com exceção de realizarem atividades administrativas internas, mas sem porte de qualquer tipo de armamento. Segundo o ministro, isso tem como objetivo evitar que eles participem de atividades ou operações militares e possam praticar condutas extremadas e graves como as que motivaram o processo judicial.

Habeas Corpus 7000375-25.2019.7.00.0000

A sessão de julgamento foi transmitida ao vivo

Alvará de soltura