O Superior Tribunal Militar (STM) decidiu receber denúncia contra tenente médico, por abandono de posto. O militar atuava na função de anestesiologista e ausentou-se da sala de cirurgia, durante um procedimento num hospital militar de Curitiba (PR).
Segundo a denúncia do Ministério Público Militar (MPM), no dia 29 de setembro de 2015, o denunciado tinha sido escalado para atuar como médico anestesiologista em uma cirurgia de varizes que seria realizada no Esquadrão de Saúde, localizado no Cindacta II, um quartel da Aeronáutica. A cirurgia teve início no horário previamente marcado (13h30), sendo que após ter realizado a anestesia, o tenente retirou-se da sala de cirurgia, com a concordância do médico cirurgião, que supôs que o denunciado permaneceria dentro do bloco cirúrgico, uma vez que a cirurgia estava em andamento.
Às 14h20, o anestesiologista saiu do Cindacta II, sem pedir autorização a um militar superior ou comunicar tal ausência à equipe médica que realizava a cirurgia. Passados cerca de 50 minutos do início do procedimento cirúrgico, o paciente reclamou de dor na perna que estava sendo operada, sendo verificado que o efeito da anestesia já havia passado.
Foi então que o cirurgião solicitou a presença do tenente para que fosse refeita a anestesia, o que não ocorreu porque o militar não foi encontrado nas dependências do bloco cirúrgico e não pôde ser localizado. Assim que ele retornou ao centro clínico, foi impedido de entrar na sala de cirurgia, pois já tinha sido convocado um outro profissional para refazer o procedimento anestésico.
Rejeição da denúncia
O Ministério Público Militar (MPM) ofereceu denúncia contra o tenente médico à Auditoria Militar de Curitiba – primeira instância da Justiça Militar. Segundo o MPM, o militar violou o comando normativo inscrito no artigo 195 do Código Penal Militar (CPM), que corresponde o crime de abandono de posto, uma vez que ele “abandonou o lugar de serviço para o qual havia sido designado e o serviço que lhe cumpria antes de terminá-lo, sem ordem superior”.
Ao avaliar o pedido do MPM, o juízo da Auditoria de Curitiba decidiu rejeitar a denúncia, por vislumbrar, em primeiro lugar, não haver crime na conduta do denunciado, que segundo o magistrado não se amolda ao tipo penal de abandono de posto. Para isso, o magistrado citou doutrina do jurista Jorge Cesar de Assis, que afirma que a “raiz do delito do artigo 195 é, exatamente, a probabilidade de dano ao estabelecimento ou aos serviços militares, decorrentes da ausência voluntária daquele que abandonou o posto ou o local de serviço”.
Segundo o doutrinador levado aos autos, o posto ou lugar de serviço, ou o próprio serviço caracterizadores do crime de abandono que leva a perigo, só pode ser aquele relativo ao serviço militar típico da missão das forças armadas ou de outros militares, como segurança de aquartelamento ou de qualquer outra instalação militar.
Para o juiz federal da Justiça Militar em Curitiba, havia “evidente ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal pela pena em concreto na hipótese de uma sentença condenatória”. Diante dessa possibilidade, o juiz afirmou que o Estado iria despender em vão seus recursos sem que ao final fosse auferido qualquer benefício prático.
“Isto sem mencionar o tempo que seria gasto inutilmente por este Juízo e por eventuais Juízos Deprecados, e ainda por Peritos Médicos (se fosse o caso), tempo este que certamente será melhor aproveitado em outros processos, úteis e eficazes, conferindo maior celeridade aos mesmos, em atendimento ao quanto inserto no inciso LXXVIII, do art.5º, da nossa Lei Maior, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45, de 08/12/2004”, concluiu o magistrado.
Julgamento de recurso no STM
Depois a decisão da primeira instância, o MPM entrou com um recurso no STM para que o Tribunal aceitasse a peça acusatória. O relator do processo, ministro Luis Carlos Gomes Mattos, afirmou que a prescrição antecipada não pode ser motivo para rejeição da denúncia, porque tal figura é estranha ao ordenamento penal, ou seja, não está prevista na lei.
“Nesse passo, a denúncia do MPM descreve satisfatoriamente o fato tido como delituoso, indica suficientes indícios de autoria e expõe as razões de convicção da promotoria, atendendo, também, às demais exigências legais. Ainda nesse passo, encontra-se escorada em substancioso procedimento inquisitorial, o qual, sob o ponto de vista material, respalda os seus termos à suficiência; e, com efeito, define o serviço que estava sendo prestado pelo Denunciado como sendo de natureza militar”, afirmou o relator.
O ministro também citou o parecer do MPM que reafirmou a aplicação do delito tipificado no artigo 195 do CPM “ao militar que, com a vontade livre e consciente, abandona, sem ordem superior, o lugar em que deveria estar de serviço”. O órgão acusador lembrou que o médico anestesista abandonou o serviço que lhe cumpria, antes de terminá-lo, conforme redação da parte final do referido artigo.
“Por fim, nem seria de se dizer que, por não ter gerado nenhum efetivo prejuízo à Administração Militar, o mau proceder do denunciado estaria justificado ou que seria materialmente atípico. E não seria porque, como é cediço, o delito de abandono de posto é de perigo abstrato, o que significa dizer que, para a sua configuração, é plenamente dispensável a ocorrência de risco concreto ou de dano efetivo em desproveito da Organização Militar”, concluiu o ministro.
Recurso em Sentido Estrito 7000849-93.2019.7.00.0000
Assista à íntegra do julgamento, que foi transmitido ao vivo pela internet