A Justiça Militar da União, em São Paulo (1ª Auditoria), condenou por unanimidade de votos, um capitão do Exército e a mulher dele, uma tenente do Exército, por peculato e posse ilegal de munição de uso restrito das Forças Armadas. Ambos foram acusados de se apropriarem de 1.860 cartuchos de fuzil 5,56 mm, pertencentes ao 28º Batalhão de infantaria Leve (28º BIL), sediado em Campinas (SP). A intenção do casal - ela como partícipe da empreitada criminosa - era vender a munição para civis, no bairro de Olaria, na cidade do Rio de Janeiro, onde chegaram a negociar o material bélico desviado do Exército.

Os dois militares foram presos em 18 de maio deste ano, pela Polícia Rodoviária Estadual, nas imediações do município de Atibaia (SP). O flagrante aconteceu após os policiais terem sido informados por militares do Exército das característica do veículo e dos ocupantes, além da carga que carregavam.

De acordo a denúncia do Ministério Público Militar (MPM), o capitão do Exército exercia a função de Chefe da Seção de Planejamento do Centro de Operações Urbanas (CIOU) no 28º BIL, sendo assim o responsável pelo planejamento e coordenação de todas as atividades operacionais da Seção. Por força de tal função, segundo o MPM, teria o acusado se apropriado de munições pertencentes à Administração Pública Militar, valendo-se da colaboração de sua esposa, que servia em outro quartel da Força.

Quebra do sigilo telefônico e mensagens do aplicativo whatsapp foram usadas pela promotoria para comprovar a participação e a conduta de cada um dos acusados na empreitada criminosa.

Apesar disso, dos depoimentos e das provas apresentadas pela promotoria, a defesa da tenente argumentou, em juízo, que a ré não teve nenhum envolvimento com a prática criminosa. Para a defesa, testemunhas de acusação e de defesa ouvidas nas dependências da 2ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM)- responsável pela condução do processo- não apontaram para atuação da tenente em qualquer ato que envolvesse o sumiço das munições encontradas no veículo do casal. “Mesmo porque a acusada sequer possui conhecimento bélico que lhe permita inferir sobre aplicação, manuseio, subtração ou até mesmo sobre possível negociação das munições ", arguiu o advogado.

A defesa da tenente argumentou também que “não bastasse isso, no que tange à prova documental produzida, em especial a referente à apreensão de R$3.620, os policiais se valeram de toda quantia encontrada com o casal, ou seja, os valores do compartimento da bolsa, somados àqueles existentes nas carteiras da tenente e de seu esposo e que, na verdade, o valor que estava em posse dela correspondia às suas economias oriundas das caronas remuneradas concedidas diariamente no trecho entre Campinas X Sorocaba, através do aplicativo Blá Blá Car".

Por outro lado, a defesa do capitão pediu a absolvição do réu. O advogado do militar informou que vários pontos ainda obscuros relacionados aos fatos foram elucidados, o que, em grande parte, se deve à colaboração do réu, que demonstrou disposição em esclarecer à Justiça detalhes, de modo que as investigações transcorressem com maior celeridade e menos onerosa ao erário. No que tange às acusações imputadas na denúncia, em um primeiro momento, a defesa tratou de enfrentar a acusação de ter o acusado infringido o artigo 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (posse de munição). Neste ponto, argumentou que o crime apenas está em discussão nos autos, devido à existência, no seu entender, da figura do conhecido flagrante preparado. "Criou-se uma situação permissiva ao cometimento de um crime, que em situações normais não teria se configurado. Tudo indica que o desejo era realmente colocar os acusados em uma cilada, afinal, dar a ordem de retorno para Campinas e ao mesmo tempo requisitar o cerco policial no trajeto demonstra claros contornos de um flagrante preparado."

Ao analisar a denúncia, o juiz federal da Justiça Militar Ricardo Vergueiro Figueiredo refutou as argumentações das defesas e condenou ambos os acusados.

O magistrado disse que após analisar todo o conteúdo probatório, tanto a prova oral quanto documental, não teve a menor dúvida de que o delito acabou por se configurar nos autos. “Na verdade, cuida a hipótese dos autos de empreitada delitiva voltada para o comércio ilegal de munição de uso restrito. E isso restou evidente. O peculato-apropriação de que cuidam os autos, segundo a redação do artigo 303, caput, do CPM, se dá quando o agente se apropria de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel (no caso, munições do Exército), de que tem a posse ou detenção, em razão do cargo ou comissão. Ora, foi exatamente isso que ocorreu”, escreveu o juiz na sentença.

Ainda de acordo com o magistrado, o próprio capitão acusado, quando do seu interrogatório judicial, tratou de esclarecer, com riqueza de detalhes, toda a situação. “Disse, pois, o réu, que indo para o Rio de Janeiro, deixaram primeiramente a filha na casa da avó (mãe do acusado), em Resende. Após, ambos, seguiram para o Rio de Janeiro e passaram em Olaria. Este teria sido o local onde o acusado teria deixado a munição, segundo a sua própria narrativa", frisou o juiz.

O juiz federal prossegue, narrando o depoimento do capitão: “o réu afirmou que entregou a munição para uma pessoa de nome Michel. Este - pessoa a qual o acusado teria conhecido no Rio de Janeiro, à época em que servia no 1º Batalhão de Polícia do Exército -, iria vender para alguém, ou seja, segundo o réu, Michel seria apenas o intermediário, sendo certo que o combinado era que no sábado à noite ou no domingo de manhã, Michel lhe entregaria o dinheiro. Porém, quando o acusado acabou por receber a ligação, no sábado de manhã, do capitão do batalhão, a ficha " caiu". O acusado, então, ficou desesperado e imediatamente teria entrado em contato com Michel, explicando a este último que precisaria ir buscar tudo de volta. Foi quando o acusado, juntamente com a mulher dele, foram ao encontro de Michel - dono de um bar em Olaria -, visando recuperar a munição a qual já havia sido entregue”, explicou o juiz federal, na sentença.

O juiz completou dizendo que depois de narrar os detalhes de sua negociação com o tal de Michel, acerca da necessidade de pegar toda a munição de volta, o acusado conseguiu recuperar apenas os 1400 cartuchos, uma vez que o restante já havia sido entregue em um Clube de Tiro e não mais seria passível de recuperação.

Por fim, o juiz federal da Justiça Militar decidiu por condenar o casal de militares do Exército. O capitão do Exército a 7 anos de reclusão - pelo crime de peculato e por porte de munição restrita - e a tenente, mulher dele, como participe, em 4 anos de reclusão.

À mulher foi concedido o direito de apelar em liberdade. Os demais juízes integrantes do Conselho Especial de Justiça – um tenente-coronel e quatro majores – acataram o voto do juiz federal e, por unanimidade, decidiram pela condenação.

Da decisão ainda cabe recurso ao Superior Tribunal Militar, em Brasília.

 


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