Dois sargentos da Marinha do Brasil foram condenados à pena de um ano de reclusão pelo crime de peculato-furto, conforme o artigo 303 do Código Penal Militar (CPM). Os dois foram julgados no Superior Tribunal Militar (STM) depois de um recurso de apelação interposto pela defesa.
Na sessão plenária que avaliou o caso, a Corte de segunda instância entendeu que os acusados causaram um dano de ordem moral expressivo ao retirar alimentos do paiol de gêneros da unidade militar em que serviam e esconder os produtos em seus veículos particulares.
Os militares que respondem ao processo são da reserva remunerada e trabalhavam no rancho do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro como cozinheiros. Eles foram contratados na modalidade prestador de Tarefa por Tempo Certo (TTC) e, por causa da função que exerciam, possuíam acesso não só ao rancho, mas também aos locais onde os alimentos ficavam armazenados.
No dia dos fatos, os militares do Arsenal de Marinha receberam uma delação anônima que dizia existir “gatos” - expressão usada para designar furto dentro do quartel - em veículos estacionados na Organização Militar. Após a revista, foram encontrados gêneros alimentícios diversos acondicionados em mochilas guardadas nos veículos dos réus.
Os sargentos negaram as acusações durante todo o andamento processual, mas o Conselho Permanente de Justiça para a Marinha, ao julgar os militares em setembro de 2018, entendeu que ambos cometeram o crime de peculato-furto. Por causa de tal delito, eles foram condenados a uma pena de um ano de reclusão, com o benefício do sursis pelo prazo de dois anos, regime aberto e direito de recorrer em liberdade.
Foi contra essa decisão que a Defensoria Pública da União (DPU) interpôs recurso de apelação junto ao STM. A defesa pediu a absolvição dos acusados com o argumento de não haver provas suficientes para a condenação. Também usou como tese o princípio da insignificância, em analogia aos delitos de descaminho, quando o valor não ultrapassar o teto de cobrança da dívida ativa. Por fim, sustentou a desclassificação do delito de peculato-furto para o furto privilegiado e, ainda, pediu que em caso de condenação a pena fosse aplicada no patamar mínimo.
Já o Ministério Público Militar (MPM), responsável por oferecer a denúncia perante a 1ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM), reforçou que o acesso ao local de armazenamento dos itens retirados era facilitado em função das atividades diárias exercidas pelos denunciados. A acusação frisou que embora os mesmos tenham dito que os gêneros alimentícios encontrados constituíam sobras, os itens apreendidos não se enquadravam nessa condição, motivo pelo qual deveriam responder pelo crime de peculato-furto.
Bem não pode ser considerado juridicamente irrelevante
Um dos argumentos apresentados pela DPU para basear o pedido de absolvição dos réus foi o princípio da insignificância, visto que somados os gêneros encontrados nas mochilas alcançaram um valor de cerca de R$ 700.
Com relação a esse pedido, o ministro relator do processo no STM, Carlos Augusto de Sousa, entendeu que o valor dos objetos materiais do delito representa 84% do salário mínimo vigente à época dos fatos, não sendo, portanto, desprezível. O magistrado ressaltou ainda que o caso avaliado trata-se de crime pluriofensivo, isso porque os bens jurídicos tutelados são a regularidade e probidade administrativa, bem como o patrimônio público ou particular.
Assim, a objetividade jurídica de maior relevância não é tanto a defesa dos bens da Administração, mas o interesse do Estado, no sentido de zelar pela probidade e fidelidade na administração. “O dano, mais do que material, é fundamentalmente de ordem moral, sendo sobremodo expressivo na caserna”, frisou.
O ministro informou ainda que não era possível falar em desclassificação da figura do peculato-furto para o furto privilegiado, na medida em que os réus eram militares da reserva remunerada, na condição de TTC e realizavam serviço para o rancho quando tentaram subtrair os gêneros alimentícios pertencentes à Organização Militar.
“Assim, serviram-se das facilidades decorrentes das suas funções, independentemente de terem ou não a posse ou a detenção da coisa subtraída. Tal condição inviabiliza a desclassificação, visto que essa elementar somente é requerida para os tipos penais de peculato-apropriação ou o peculato-desvio”, finalizou o magistrado.
Com base nos argumentos elencados em seu voto, o ministro decidiu manter a sentença condenatória de primeira instância nos mesmos moldes.