Um tenente do Exército cumprirá uma pena de dois meses de detenção pela prática do crime de lesão corporal culposa, artigo 210 do Código Penal Militar (CPM). Os ministros do Superior Tribunal Militar (STM) entenderam que, embora sem dolo, ele teve culpa ao entregar uma granada sem o pino a um soldado, o que culminou em um acidente que lesionou de forma grave o militar.
O fato aconteceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ), no 1º Batalhão de Polícia do Exército (1º BPE), em julho de 2017. Naquela data , estava marcado um exercício de tiro, o que exigiu a movimentação de diversos cunhetes (caixotes) com munição.
Foi nesse momento que o tenente, que era o oficial de tiro da unidade, retirou o pino da granada e a entregou ao soldado, passando a orientação de que ela deveria ser mantida pressionada até chegar ao local em que deveria ser entregue.
De acordo com a vítima, o artefato explodiu no momento em que ele sentiu cãibra na mão e afrouxou a empunhadura, o que acionou o mecanismo de detonação da granada. A ação do explosivo provocou lesões corporais graves ao soldado, com a amputação traumática do quarto dedo e da polpa digital do quinto dedo, ambos da sua mão esquerda.
O tenente, ao ser ouvido durante o processo, enfatizou que não teve a intenção de causar o acidente. Disse também que entregou a granada ao soldado por ter certeza que a mesma não tinha potencial lesivo, uma vez que era de cor azul, o que indicava uso apenas para manejo.
Julgamento em primeira instância
O Ministério Público Militar (MPM) se manifestou pela procedência integral da denúncia, ressaltando estarem demonstradas a autoria, a materialidade e a culpabilidade e informou que o apelante agiu com dolo eventual, uma vez que assumiu o risco do resultado danoso.
Já a defesa do oficial requereu a absolvição sob o fundamento de que restou comprovada a ausência do elemento subjetivo da conduta (liame psicológico entre o agente e o resultado da infração penal).
Defendeu ainda que o erro foi culturalmente motivado, pois durante a formação militar teria restado internalizado no oficial que as granadas de cor azul eram inertes. Subsidiariamente, apresentou pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
O tenente foi julgado em primeira instância pelo Conselho Especial de Justiça da 4ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM), que o condenou à pena de dois meses de detenção com o direito de apelar em liberdade. O julgamento ocorreu em agosto de 2019 e seu resultado motivou o recurso de apelação impetrado pela defesa do réu junto ao STM.
O processo do oficial teve como relator o ministro Péricles Aurélio Lima de Queiroz, que explicou que a lesão corporal culposa consiste na conduta daquele que deixa de empregar a cautela, a atenção ou a diligência necessárias às quais estava obrigado em face das circunstâncias e, por consequência, ofende a integridade corporal ou a saúde de outrem, resultado não previsto ou, se vislumbrado, levianamente afastado pelo agente. É punida com a pena de 2 meses a 1 ano de detenção.
O magistrado informou ainda que embora o réu tenha descrito que acreditava na ausência de lesividade do artefato por ter aprendido que os explosivos de cor azul não são carregados com material perigoso, o apelante não procurou saber a origem do artifício, nem se ele poderia causar ou não dano a quem o manuseasse.
“Ressalte-se que, apesar de o réu ter afirmado que o senso comum convergia pela impropriedade daquele objeto como arma, uma das testemunhas, em seu depoimento, especificou a distinção entre a granada de manejo e a de exercício. Mencionou que ambas externamente podem ser iguais, mas distinguem-se em relação à montagem, o que foi corroborado pelo laudo pericial de setembro de 2017, que explica: 'quando o mecanismo de disparo e o refil pirotécnico são introduzidos em seu corpo, a granada deixa de ser oca para ter condições de ser detonada'", declarou o ministro.
Dessa forma, o relator entendeu que como oficial de munição da unidade e militar habilitado não só a manusear, como a aplicar o armamento em combate, o acusado deveria empregar os cuidados adequados a sua função e checar a real ofensividade do artefato antes de entregá-lo a soldados recém-integrados às fileiras do Exército.
O ministro encerrou seu voto negando também o pedido subsidiário de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, uma vez que, de acordo com ele, a aplicação subsidiária da parte geral do Código Penal Comum na Justiça Militar só é possível quando houver lacuna no Código Penal Militar (CPM).