Um ex-cabo do Exército teve sua pena de 11 anos e três meses de reclusão mantida pela corte do Superior Tribunal Militar (STM). O ex-militar foi condenado por peculato-furto, crime previsto no art. 303 do Código Penal Militar (CPM). No mesmo processo também foi avaliada a punição imposta a dois outros réus, sendo parcialmente reformada em favor deles a sentença de primeira instância.
Os três são acusados de integrarem um esquema criminoso que iniciava com desvio de armamento e munição das instalações do 7° Grupo de Artilharia de Campanha, sediado em Olinda (PE), e terminava com a venda ao tráfico de drogas. O ex-cabo exercia a função de armeiro da organização militar, atividade que inclui não só a manutenção dos armamentos, mas também o controle. Aproveitando a facilidade de acesso ao material bélico, ele foi o responsável por desviar três fuzis - além de um grande número de munições calibre 7.62 e .50 – por meio de um método de atuação que consistia em lançar nas fichas um número menor de armamento para sua posterior retirada através de seu veículo particular.
Com os armamentos e munições já fora do quartel, o ex-militar negociou a venda ao terceiro acusado - que na ocasião se encontrava preso pelo crime de tráfico de drogas e homicídio - pelo valor de R$7.500. Tudo foi articulado pelo segundo réu do processo, que intermediou as negociações. Os dois civis foram condenados na Justiça Militar da União (JMU) por receptação dolosa, art. 254 do CPM.
Com penas que variaram de onze a três anos e sete meses de reclusão, impostas após julgamento realizado na auditoria da 7ª CJM, a defesa dos três réus recorreu ao STM através de um recurso de apelação que contestava o regime de cumprimento das reprimendas.
Em suas razões, a Defensoria Pública da União (DPU), responsável pela defesa do ex-militar, afirmou que no julgamento de primeira instância houve um equívoco ao se considerar como circunstâncias desfavoráveis a gravidade do crime, pois essa não extrapolou o normal em crimes dessa natureza. Disse, ainda, que o acusado não teve a intenção de vender o armamento e a munição a um agente do tráfico local, pois sequer o conhecia. Sustenta que quanto à intensidade do dolo, não há elementos que permitam identificar um grau elevado, como também não é possível ampliar a pena-base a partir da extensão do dano e do modus operandi.
Acrescentou que o réu não ofereceu nenhuma resistência, cooperando desde o início com o esclarecimento dos fatos e finalizou solicitando que todas as circunstâncias judiciais sejam reduzidas ao patamar de 1/8 (um oitavo) da pena mínima, uma vez que não foi considerada a atenuante de confissão na segunda fase da dosimetria.
Também responsável pela defesa do segundo réu, acusado de ser o intermediário das negociações, a DPU frisou que, embora o Ministério Público Militar (MPM) impute o crime de receptação a seu assistido, nenhum armamento ou munição foi encontrado em sua posse. Afirmou que, diante de dúvida razoável, e considerando que a acusação se baseia apenas nos depoimentos dos corréus, o ora apelante deve ser absolvido. Ressaltou que o Juízo de primeiro grau “não considerou a mínima participação do apelante no caso fático”, que apenas intermediou a compra dos fuzis e pediu pela absolvição.
O terceiro réu foi defendido por advogado constituído, que alegou não ter existido crime por parte do seu cliente, uma vez que ele estava preso quando os fatos aconteceram. Informou que não existem provas nos autos de que seu assistido adquiriu, recebeu ou ocultou os bens roubados. Ressaltou que o juízo de primeiro grau se equivocou quanto à intensidade do dolo, haja vista que a perícia não faz menção sobre a capacidade de disparos das armas. Esclareceu ainda que o regime inicial deve ser o aberto, visto que ele não é reincidente e sua condenação foi inferior a quatro anos, na forma do art. 33 do código penal comum. Por isso, pediu a absolvição, a “retirada” da imputação do crime continuado, a redução da pena para o mínimo legal e a fixação do regime aberto.
Diante dos argumentos defensivos, o MPM manteve de forma intocável a condenação de todos eles nos termos da sentença, porém, pediu para alterar o regime inicial de cumprimento da reprimenda penal somente com relação aos apelantes civis. Para sustentar a condenação dos apelantes, a acusação esclareceu, quanto ao ex-cabo, que trata-se de réu confesso e que o crime por ele praticado foi amplamente comprovado durante a instrução criminal.
Julgamento do recurso de apelação no STM
O recurso de apelação dos três réus foi julgado pelo ministro Odilson Sampaio Benzi, que avaliou como necessário alterar o regime de cumprimento da pena em relação aos sentenciados civis e manter da mesma forma em relação ao militar.
“É incontestável a prática do crime pelo ex-cabo, uma vez que as elementares do tipo penal enquadram-se, com perfeição, aos atos por ele perpetrados. Portanto, a autoria e a materialidade delitivas restaram incontestes, pela mansa e pacífica confissão do ex-militar, em perfeita harmonia com a prova testemunhal produzida no curso do processo. Da mesma forma, por se tratar de condutas comprovadas ao longo do processo, também não há que se falar em redução penal, porquanto inexiste qualquer tipo de equívoco na dosimetria da pena”, reforçou o relator, que salientou que todos os atos desastrosos e ousados praticados pelo armeiro tinham a finalidade de repassar os equipamentos bélicos subtraídos ao crime organizado, sob a justificativa de que estava com problemas financeiros.
Ainda na avaliação do magistrado, ao contrário do alegado pela defesa, a conduta perpetrada pelo réu deve iniciar a primeira fase da dosimetria na sentença com uma reprimenda acima do mínimo legal, justamente porque o crime que ele cometeu se reveste de extrema gravidade, considerando a natureza do material desviado, o local de onde foi retirado, o modo como agiu, o motivo, o destino dele e demais circunstâncias em que tudo aconteceu.
“Portanto, agiu com acerto, a meu ver, o juízo de primeira instância, pois sem dúvida alguma a condenação proferida na sentença considerou e mensurou todas as circunstâncias na proporção dos atos delitivos praticados pelo então militar”, frisou.
Réu operava dentro de penitenciária
O terceiro réu do processo era um civil que cumpre pena pelo crime de tráfico de drogas e homicídio. Ao avaliar o recurso de apelação interposto por seu advogado, o ministro Benzi enfatizou que ele foi o responsável pela compra e ocultação dos fuzis e o único que sabia da localização, sendo necessária sua ajuda para que os armamentos pudessem ser localizados.
Foi também ele, embora a defesa alegasse o contrário, que primeiro deu a ordem aos comparsas para deixar os equipamentos bélicos debaixo de um veículo próximo a um colégio, só depois ajudando os policiais a chegar naquele local para recuperar o armamento. Toda a atuação foi realizada de dentro da penitenciária.
“Assim, não há como absolver o referido acusado do delito de receptação, muito menos reduzir a pena para o patamar mínimo, tendo em vista que a sanção penal foi aplicada a altura de seus atos delitivos. Por outro lado, assiste razão à defesa quanto ao regime de cumprimento da pena. De fato, a sentença merece ser revista nesse aspecto, apenas para fixar o regime inicial aberto em lugar do semiaberto, nos termos da alínea “c”, e não “b”, do § 2º do art. 33 do código penal comum, considerando que o civil foi condenado à pena de três anos e sete meses de reclusão, portanto, abaixo de quatro anos, se não existir, obviamente, outro motivo para que ele seja mantido preso ou que justifique o regime mais rigoroso”, sentenciou o relator.
A mesma previsão do Código Penal foi utilizada pelo ministro para rever a sentença no quesito regime de cumprimento em relação ao civil que intermediou as negociações. Para ele foi fixado o regime inicial aberto, uma vez que também foi condenado a uma pena inferior a quatro anos.