A corte do Superior Tribunal Militar (STM) aumentou para dois anos e quatro meses de reclusão a pena imposta a um civil. O réu foi condenado pelo crime de receptação, artigo 254 do Código Penal Militar (CPM), após serem encontrados em sua posse dois fuzis do Exército Brasileiro.
Por tal prática delitiva, o civil foi condenado na 1ª Auditoria da 3ª CJM, em Porto Alegre (RS), de forma monocrática, a pena de um ano e quatro meses de reclusão com o benefício do sursis. O julgamento ocorreu em abril de 2020.
Os armamentos foram encontrados em maio de 2018 na casa do acusado, localizada em Triunfo (RS). A diligência era cumprida no bojo de operação destinada à apuração de prática de crimes ambientais, realizada por agentes da Polícia Civil/RS e integrantes da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DEMA).
O civil declarou ter encontrado o armamento por volta do ano de 1998, durante atividade de pescaria, explicando que os fuzis estavam enrolados em plástico e enterrados embaixo da Ponte General Câmara. Disse, ainda, que ficou com as armas porque as aprecia e não sabia serem elas de uso restrito militar (Forças Armadas), alegando a ausência de Brasão e de numerações.
Com o auxílio técnico, identificaram-se alguns números de peças que compunham as armas, sendo possível saber que elas eram originárias de diversos quartéis do Exército espalhados pelo RS.
MPM pede aumento de pena
Embora o civil tenha sido condenado em primeira instância, o Ministério Público Militar (MPM) interpôs recurso de apelação junto ao STM com o objetivo de ver reformada a dosimetria da pena imposta.
Na sua peça acusatória, o MPM descreve que, por manter sob a sua guarda armas de fogo de uso restrito militar, estando as mesmas com a identificação numeral suprimida, o réu teria cometido, em concurso material, os crimes previstos no art. 16, caput, incisos II e IV, da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), assim como o de apropriação de coisa achada, ambos por duas vezes, dando-o como incurso nas sanções do art. 249, parágrafo único, do CPM.
A acusação sustentou ainda que há documentos no IPM mostrando que as armas apreendidas foram incorporadas ao patrimônio do Exército nos anos de 2007 e 2010, respectivamente, não podendo, portanto, terem sido encontradas antes dessas datas, como sustentou o réu. Ressaltou que há jurisprudência do STM no sentido de o art. 249 do CPM tratar de crime permanente, assim como lembrou que desde a entrada em vigor da Lei nº 13.491/2017, a competência da JMU foi ampliada, abrangendo os denominados crimes militares por extensão, previstos na legislação penal extravagante.
A defesa do civil pediu o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato em relação ao crime de apropriação de coisa achada (art. 249, parágrafo único, do CPM), a declaração de incompetência da Justiça Militar da União (JMU) para o processamento e o julgamento do delito de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16 da Lei nº 10.826/2003), ou, alternativamente, a extinção do feito em relação a esse delito. Solicitou ainda a extinção do feito pela perda do prazo para o oferecimento da denúncia, assim como a inépcia da mesma por ela não preencher os requisitos legais. No mérito, pediu a absolvição do acusado pela ausência de provas, bem como pela falta de justa causa para a Ação Penal.
Condição de réu como CAC ensejou aumento de pena
A versão do réu de que desconhecia a origem dos fuzis não convenceu o relator do processo, ministro Marco Antônio de Farias, que lembrou que o civil, por ter registro como Caçador, Atirador e Recarga junto ao Exército Brasileiro, conhecia bem o assunto.
“A receptação exige que o agente tenha ciência da origem criminosa do produto. O Exército Brasileiro divulga as normas e as regras de condições de uso do armamento aos seus registrados, dos quais espera, baseado na boa fé objetiva como regra de convívio social, o cumprimento da legislação. Além disso, sendo Atirador e Caçador registrado, o réu frequentava o círculo dos seus pares, onde a convivência comum traz a experiência e a cultura próprias dos praticantes de tiro. Assim, sabia que os fuzis, raspados em suas numerações e brasões, eram produto de crime. Inclusive, considerada a sua qualificação no assunto, também estava ciente da crucial importância e do exacerbado controle desse material no seio das Forças Armadas”, lembrou o magistrado.
Por esses aspectos, o relator entendeu que de fato a pena fixada no patamar mínimo foi desproporcional por não atender os aspectos repressivo e educativo. O ministro disse não haver dúvida de que o crime praticado é bastante grave, por se tratar da receptação de dois fuzis de uso exclusivo das Forças Armadas, e não de um coturno ou peça de fardamento furtada, por exemplo.
“Nota-se, no crivo detalhado da conduta, que o crime dos autos tem notável extensão de dano ou de perigo. Armamentos e peças foram subtraídos do controle das unidades militares, os quais podem, na atual conjuntura, servir ao mundo do crime. Além disso, a intensidade do dolo merece ser mensurada em grau elevado”, finalizou o relator, que decidiu aumentar a pena imposta ao réu para dois anos de reclusão, sem o benefício do sursis.