26/02/2024

STM condena oficial da Marinha por furtar mais de 118 mil litros de combustível de navio de guerra

O Superior Tribunal Militar (STM) condenou um capitão-de-corveta da Marinha, oficial superior da força naval do país, equivalente a major do Exército, por furtar mais de 118 mil litros de óleo combustível de um navio. Os prejuízos aos cofres públicos foram superiores a R$ 700 mil. O militar havia sido absolvido no julgamento de primeiro grau na Justiça Militar da União (RJ), no estado do Rio de Janeiro.

Três militares e um civil foram denunciados pelo Ministério Público Militar (MPM) junto à Justiça Militar e, segundo os autos da ação penal militar, nos dias 25 de março e 21 de maio de 2012, os réus teriam desviado 65.000 e 53.500 litros de óleo combustível de um navio da Marinha do Brasil, utilizando as facilidades proporcionadas pelas funções que exerciam como militares.

O navio estava atracado na Ilha de Mocangue, em Niterói (RJ), quando caminhões-tanque de uma empresa retiraram o combustível, apresentando-o como "resíduos oleosos". Uma denúncia anônima feita ao Comando da Marinha alertou as autoridades para a possível ação criminosa perpetrada e chefiada pelo capitão-de-corveta.

“... Venho denunciar furto de óleo diesel que esta acontecendo na corveta, sediada na Ilha de Mocangue, em Niterói.  O responsável pelo furto é o capitão... O negocio lá está tão bom que ele [sic] já esta andando de carro de luxo.  Se conseguir pegar as escutas telefônicas dele, a parte [sic] do mês de junho 2011 vai descobrir muita coisa. O furto é maior quando o navio está em porto fora como Santos e Vitória. Só estou denunciando porque ele quer [sic] ser muito certo e é o maior papa óleo diesel, o Lord De Marinha", escreveu o denunciante.

A Marinha do Brasil, por sua vez, abriu um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar os possíveis crimes. Ao final da apuração, dois sargentos, o capitão-de-corveta e o civil foram denunciados pelo crime previsto no artigo 303 (peculato-furto) do Código Penal Militar (CPM), por duas vezes.

Em um dos furtos, uma testemunha afirmou que naquele domingo foi informada de que ocorreria uma retirada de "resíduos oleosos" por determinação do réu. A operação foi realizada por dois sargentos, que também se tornaram réus no processo. Dois caminhões de uma empresa civil entraram no Complexo Naval de Mocanguê por volta das 9 horas e foram liberados às 15 horas. Segundo a mesma testemunha, embora o capitão-de-corveta não estivesse a bordo naquele domingo, ele estava, mesmo de licença médica, no estacionamento de oficiais superiores da Base Naval do Rio de Janeiro e perguntou à testemunha se a retirada de "resíduos oleosos" havia ocorrido sem problemas.

Nenhum dos oficiais do comando do navio foi informado sobre a retirada dos “resíduos oleosos”.

Em sua defesa durante todo o processo, o réu alegou que houve contaminação de um tanque de armazenamento, que devido a manobras de correção de banda, teria contaminado outros dois tanques, pois "a junta de uma das elipses do tanque estaria desgastada". Ele também comunicou aos seus superiores que, naquele dia, o quantitativo de óleo contaminado seria cerca de 118.000 litros, os quais foram retirados por caminhões "sob a forma de retirada de resíduos oleosos em duas etapas, uma em março e outra em maio", fato que "não foi levado ao conhecimento do Comando, sob a alegação de preservar a figura do navio".

No entanto, a análise dos dados telefônicos em quebra de sigilo telefônico solicitada pelo Ministério Público Militar revelou que, a partir de 30 de abril de 2011, eram constantes os contatos telefônicos entre o capitão-de-corveta e o terminal da empresa civil, inclusive em dias e horários não comerciais, a partir das 22 horas. A quebra de sigilo bancário também revelou que, no período de 1º de janeiro de 2011 a 31 de julho de 2012, o total de créditos nas contas do militar foi mais de sete vezes o valor identificado como salário. Grande parte foi depositada pela empresa que retirou o óleo em três contas distintas de titularidade do oficial.

Primeiro Grau

No julgamento de primeiro grau da Justiça Militar da União, no entanto, realizado de forma monocrática por um juiz federal civil, os quatro réus foram absolvidos. Conforme a fundamentação do magistrado, não existiram provas suficientes para a condenação dos acusados. O Ministério Público Militar (MPM), inconformado com a decisão do juiz federal, recorreu em sede de apelação ao Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília, apenas contra as absolvições do oficial e do réu civil. Na Corte Militar, a relatoria do recurso ficou sob responsabilidade do ministro general de Exército Odilson Sampaio Benzi, que decidiu mudar o entendimento da primeira instância e condenou os réus.

Relator

Em seu voto, o ministro rebateu o Juízo de primeiro grau, que havia ressaltado na sentença absolutória que as ligações telefônicas entre os acusados e a presença a bordo do capitão em uma das fainas não indicavam uma conduta criminosa. “De fato, num primeiro momento, os contatos telefônicos entre os acusados, por si só, não são indicativos de crimes nesse contexto. O problema é que, na vertente quaestio, as ligações telefônicas entre os réus foram tão intensas – antes, durante e depois das operações de retirada do combustível –, que fugiram à normalidade e chamaram a atenção”, disse o ministro.

“O próprio réu confessou que resolveu retirar essa quantidade de combustível de forma sorrateira porque visava preservar a carreira dos superiores, não queria escândalos, e evitava a presença da imprensa noticiando esse suposto acidente”, completou o magistrado.

Para o relator, é certo que o oficial não conseguiu provar o que alegou nos autos em sua defesa, pois sempre buscou se esquivar das responsabilidades, imputando a culpa a terceiros ou apresentando versões fantasiosas e sem verossimilhança alguma.

O ministro Benzi afirmou também que, diante de tantas evidências, documentos, perícias, inquirições de testemunhas contando detalhadamente os fatos, quebras de sigilo, depoimentos contraditórios por parte dos réus, descumprimento de normas internas e omissões pelo acusado militar, levando-se em consideração que o capitão agiu de forma sorrateira neste caso, e que o oficial era o responsável pelo controle de combustível do navio no período que foi periciado – por ser o chefe do Departamento de Máquinas –, tudo isso forma um conjunto probatório suficiente para a condenação. Não há como corroborar com a absolvição do oficial e do civil.

“Com todas as venias, razão pela qual a reforma da sentença é medida que se impõe, visando aplicar a necessária reprimenda penal de forma proporcional e à altura da conduta criminosa perpetrada por eles. Em outras palavras, torna-se imperioso reformar a sentença que absolveu o capitão e o civil por existir o lastro probatório mínimo e suficiente para a condenação deles pela prática do crime de peculato-furto”.

O relator votou para condenar o oficial à pena de quatro anos, dois meses e doze dias de reclusão, em regime prisional inicialmente semiaberto. Ele também votou para condenar o civil à pena de três anos e seis meses de reclusão, pelo crime de peculato-furto, em continuidade, com o regime prisional inicialmente aberto. Por unanimidade, os demais ministros do STM acompanharam o voto do relator."

APELAÇÃO Nº 7000492-11.2022.7.00.0000

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