O Superior Tribunal Militar (STM) lançou, nesta terça-feira (23), o Programa Amanhecer, uma iniciativa da Corte voltada para a proteção e o amparo do gênero feminino: magistradas, servidoras, terceirizadas e estagiárias da Justiça Federal Castrense que se encontram em situação de violência doméstica e familiar.
O lançamento ocorreu durante um Webinário, que teve como palestrante a juíza Luciana Rocha, auxiliar do Conselho Nacional de Justiça e coordenadora do Núcleo Judiciário da Mulher do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
O evento foi aberto pela ministra do STM Maria Elizabeth Rocha e contou com a participação da Ouvidora da Mulher da Justiça Militar da União, juíza federal Mariana Aquino, e da juíza auxiliar do STM Bárbara Lívio, coordenadora do evento.
Em suas palavras, a ministra Maria Elizabeth disse que a violência contra a mulher é uma chaga profunda na sociedade brasileira e “é nosso dever como instituição assegurar um ambiente seguro e acolhedor para todas as mulheres que integram esta Instituição. Como a única mulher ministra neste Tribunal, sinto-me particularmente incumbida de promover medidas que garantam a segurança e o bem-estar de todas nós”.
O Programa Amanhecer está fundamentado em diretrizes essenciais que visam proporcionar um suporte efetivo e humanizado. A ideia, segundo a ministra, em primeiro lugar, é a escuta ativa, base do atendimento.
“Entendemos a importância de ouvir com atenção e sensibilidade as mulheres que procuram ajuda. Em segundo lugar a análise cuidadosa da situação permitirá validar a percepção da mulher sobre as dificuldades que enfrenta, assegurando que suas preocupações sejam reconhecidas e compreendidas”.
Ainda em suas palavras, a ministra Elizabeth afirmou que o acolhimento com empatia é um pilar fundamental do programa.
"Sabemos que enfrentar a violência doméstica exige coragem e força, e queremos que todas as mulheres se sintam seguras e amparadas ao procurar nosso auxílio. Garantimos que todas as informações fornecidas serão tratadas com o mais absoluto sigilo e discrição, para que as mulheres possam confiar plenamente em nosso suporte”.
O Programa Amanhecer também está alinhado com a Recomendação nº 105 e a Resolução nº 245/2018 do Conselho Nacional de Justiça (Política Judiciária Nacional da Mulher em Situação de Violência), que orientam sobre a proteção e promoção dos direitos das mulheres no sistema de justiça. Essas normativas são essenciais para reforçar o compromisso do Superior Tribunal Militar em criar um ambiente de trabalho seguro e respeitoso para todas as suas colaboradoras.
“A violência doméstica e familiar não tem lugar em nossa sociedade, muito menos em nossas instituições. O STM, por meio do Programa Amanhecer, reafirma seu compromisso em proteger e acolher todas as mulheres que dedicam seu trabalho e talento à Justiça Militar da União. E este compromisso hoje pode ser implementado graças aos laboriosos esforços da Juíza Auxiliar Dra. Bárbara Lívio, que trabalhou incansavelmente para a elaboração do Programa Amanhecer ao lado das servidoras e servidores desta Casa de Justiça, a quem deixo consignado os meus profundos agradecimentos”.
Palestra
Na palestra, a juíza Luciana Lopes Rocha, que também é ex-presidente do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, trouxe os 18 anos da Lei Maria da Penha e os novos desafios dessa legislação que revolucionou a maneira como o país trata a violência doméstica.
Segundo a palestrante, a Lei Maria da Penha é uma tutela penal exclusiva para mulheres, mas também se aplica às mulheres trans, independentemente de alteração registral do nome e de cirurgia de redesignação sexual.
“Ela nada mais objetiva do que proteger vítimas em situação como a da ofendida destes autos. Os abusos por ela sofridos aconteceram no ambiente familiar e doméstico e decorreram da distorção sobre a relação oriunda do pátrio poder, em que se pressupõe intimidade e afeto, além do fator essencial de ela ser mulher”.
Ela também trouxe à audiência algumas questões relacionadas ao primeiro giro paradigmático da norma, uma primeira mudança jurisprudencial da norma. Uma delas é a previsão de a companheira também ser processada por violência doméstica e familiar em relações homoafetivas.
Outras mudanças advindas são a criação de medidas protetivas de urgência, a criação dos juizados especializados de VDFCM com competência civil e criminal, e o tratamento integral, intersetorial e interdisciplinar da violência doméstica e familiar, ensinou.
Ainda conforme a magistrada, a lei se aplica no âmbito da unidade doméstica, espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. Este âmbito da família é compreendido como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.
“O espaço familiar é um lugar simbólico onde os homens alimentam expectativas de exercerem autoridade sobre as mulheres, de controlarem sua vida particular e, especialmente, sua sexualidade, de terem as mulheres para servi-los, numa posição de cuidadoras e de submissão à sua autoridade, de forma que o não cumprimento de tais expectativas pelas mulheres legitima o uso de violência disciplinar. Esse conjunto de violências familiares e/ou domésticas deve ser reconduzido ao conceito de violência de gênero, pois deriva das relações desiguais de poder entre homens e mulheres e atinge de forma mais acentuada as mulheres”.
Dados da violência
No Webnário, a juíza do TJDFT trouxe dados da violência doméstica no Brasil.
Um deles afirma que cerca de 41% dos agressores voltam a praticar violência contra as vítimas no período de até 30 meses.
Noutro giro, apresentou dados e as razões pelas quais as vítimas de violência não procuram a polícia após a última agressão sofrida. 38% dizem que resolveu sozinha não denunciar; 21,3% não acreditavam que a polícia pudesse oferecer solução para o problema; e 14,4% por falta de provas.
Por fim, entre 70% a 80% das mulheres mortas pelo parceiro íntimo sofreram episódios de violência física antes da violência letal.