O abuso e a exploração sexual, vinculados às Operações de Manutenção de Paz, é um tema que tem mobilizado as Organizações das Nações Unidas (ONU), segundo a diretora de Justiça Militar do Departamento de Defesa Nacional do Canadá, tenente-coronel Tammy Tremblay.
A oficial foi uma das palestrantes do IV Foro de Justiça Militar, que ocorre no Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília e reúne onze países americanos.
Em sua explanação, ela definiu a percepção sobre esse tipo de conduta: “Além do dano que provoca às vitimas, é uma traição de confiança por pessoas que receberam a missão de proteger”. E apesar de haver uma proposta na ONU de tolerância zero, os abusos e a exploração ainda ocorrem.
A militar fez um rápido histórico acerca dos casos de exploração e abuso sexual de menores que chegaram ao conhecimento da ONU e a repercussão das denúncias junto à instituição.
Uma delas, no início de 2014, contava que tropas internacionais servindo como forças de paz na República Centro-Africana abusaram sexualmente de várias crianças em troca de comida e dinheiro.
Os suspeitos eram, em sua maioria, de uma unidade da força militar francesa conhecida como Sangaris, que operava com a autorização do Conselho de Segurança da ONU, mas não sob o comando das Nações Unidas.
Houve então a instituição de um painel de especialistas, pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em 2015, que debateram os temas.
Os especialistas concluíram que a Organização não agiu com “a rapidez, cuidado ou sensibilidade requerida” quando tomou conhecimento dos crimes cometidos contra crianças por tropas enviadas à República Centro-Africana para proteger civis.
O relatório do grupo resultou em doze recomendações com complexas implicações jurídicas, institucionais e operacionais para a ONU e para os estados-membros. Algumas delas foram parcialmente aceitas e outras estão em fase de implantação.
A tenente-coronel exemplifica com algumas recomendações que já foram implantadas parcial ou integralmente: criação de uma unidade de coordenação do Gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos para supervisionar e coordenar respostas à violência sexual relacionada ao conflito; criação de um grupo de trabalho para desenvolver uma política única para harmonizar as políticas e promover a responsabilidade criminal; exigência da notificação obrigatória de todas as acusações de violência sexual; estabelecimento de um fundo fiduciário para fornecer serviços especializados para vítimas de violência sexual relacionada ao conflito; negociação com os países para verificação de antecedentes das tropas enviadas para as operações, dentre outras.
Tolerância zero é o que recomenda a ONU
Tammy Tremblay relatou em sua palestra que a ONU editou neste ano a Resolução nº 2272 que prevê a repatriação de contingente militar ou policial em missão de paz quando houver fundadas evidências de prática sistemática ou generalizada de atos de exploração ou abusos sexuais e a substituição desses contingentes por outros de nacionalidade diversa quando o Estado-Membro do qual são egressos não tomar as medidas apropriadas para investigar, processar, julgar e reportar às Nações Unidas os casos de abusos e exploração sexuais ocorridos em missão.
A militar expôs também que a ONU incentiva os países que levam tropas às missões a reforçar a seleção prévia dos contingentes, a treinar os soldados antes de se deslocarem para as missões e fortalecer os mecanismos de responsabilização.
Pelas regras da ONU são terminantemente proibidos: troca de dinheiro, emprego, bens, serviços ou qualquer outro tipo de assistência por sexo; qualquer contato sexual com menores de 18 anos; uso de crianças ou adultos para obter serviços sexuais; e relações sexuais com a população local e prostitutas durante os afastamentos do serviço, incluindo licenças da ONU, dentro ou fora da área da missão.
Embora as Nações Unidas também possam investigar desvios de conduta praticados pelos seus soldados da paz, a instituição não tem tribunais para julgá-los. Ao cederem tropas para as missões de paz, os Estados-Membros têm jurisdição exclusiva para processar e julgar os crimes cometidos pelos seus militares em missão.
Desafios para a ONU
Há ainda muitas atividades a serem realizadas para elevar a um nível satisfatório respostas das Nações Unidas à ocorrência de crimes sexuais, como a elaboração de um inventário dos marcos jurídicos, criação de um único manual para ajudar oficiais e líderes na área de prevenção e resposta a esses crimes; e a criação de um protocolo único em todo o sistema que servirá de quadro para a prestação de assistência às vítimas, por exemplo.
Segundo a tenente-coronel Tammy Tremblay, há desafios que precisam ser superados, como a fragmentação de marcos jurídicos, fóruns de discussão fragmentados, investigações deficientes, direitos de privacidade frente à responsabilização, falta de mecanismos de retroalimentação às vítimas.
No próximo ano, as Organizações das Nações Unidas promoverão Conferência sobre a Exploração e Abuso Sexuais.
Operações de paz
Sob a coordenação dos ministros do Superior Tribunal Militar, José Coêlho Ferreira e Alvaro Luiz Pinto, outras três palestras trouxeram temas relacionados às Operações de Paz.
“O Direito Operacional Militar e o Direito Internacional dos Conflitos Armados no contexto da participação brasileira em Operações de Paz” foi o primeiro tema desta terça-feira. A apresentação foi realizada pelo ministro do STM Péricles Aurélio de Queiroz.
O auditor-presidente do Tribunal Militar Central espanhol, Rafael Martínez, falou sobre "Justiça Militar na Espanha e sua aplicação em missões de paz e operações militares”.
“Desafios e complexidades no campo de batalha moderno e a importância da legitimidade” foi o tema escolhido pelo comandante da Escola de Direito do Exército dos Estados Unidos, Paul Wilson.
Assista à íntegra das palestras