O Superior Tribunal Militar (STM) decidiu na quinta-feira (26), em recurso em sentido estrito, que a Justiça Militar federal é competente para processar e julgar civis, chamados de pipeiros, envolvidos em irregularidades na distribuição de água potável aos flagelados da seca, no semiárido do nordeste.
A operação é organizada e fiscalizada pelo Exército Brasileiro (EB), que coordena a distribuição de água a milhares de pessoas nos estados do nordeste, contratando pipeiros locais.
Durante a semana, chegou ao STM um recurso do Ministério Público Militar suscitando a incompetência desta Justiça especializada para apreciar o caso.
Um Inquérito Policial Militar foi instaurado pelo chefe do 10º Depósito de Suprimento, unidade do EB, para apurar a existência de crime militar no Programa Emergencial de Distribuição de Água Potável no Semiárido Brasileiro, no Município de Paramoti, no Ceará.
Por meio de diligências internas, o Exército tomou conhecimento de que um representante da empresa credenciada no município, bem como seus funcionários, os chamados “pipeiros”, estariam agindo de forma criminosa durante a distribuição.
Entre as irregularidades estava a de entrega de água fora das datas previstas nos roteiros distribuídos; entrega da água apenas uma vez e, via de regra, após a metade do mês, conforme afirmação da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil do Ceará e da Companhia de Água e Esgoto do Ceará; constantes alterações dos “pipeiros”, o que teria causado grandes entraves para a controladora responsável por demonstrar as rotas; falta de atenção no preenchimento da planilha auxiliar de comprovação de entregas de água, com distorções nas assinaturas; desconhecimento total dos fatos por parte de um civil, presente em diversas assinaturas; e dúvidas sobre a efetiva entrega da água e sobre a procedência do manancial.
Após a realização de diligências e do envio das investigações ao Ministério Público Militar para o oferecimento da denúncia, a promotoria pugnou pela incompetência da Justiça Militar da União sob o argumento de que o crime não fora praticado por militares e que a Justiça Castrense não teria a competência para julgar civis em tempo de paz, porque os princípios de hierarquia e da disciplina são específicos do regime castrense e se aplicam apenas aos militares.
No entanto, em decisão de junho deste ano, o juízo de primeira instância da Justiça Militar da União, em Fortaleza, indeferiu o pedido. Para o juiz-auditor, uma vez que houve violação a preceitos jurídicos relacionados às instituições militares, há necessidade de manter a competência da justiça castrense para apurar os fatos. “Ademais, caso quisesse o legislador excluir de sua competência o julgamento de civis, tê-lo-ia feito, nos moldes elencados na Justiça Militar Estadual”, decidiu.
Inconformado, o Ministério Público Militar interpôs recurso junto ao STM para tentar reverter a decisão da Auditoria de Fortaleza.
Decisão do STM
Ao analisar o recurso, o ministro relator Carlos Augusto de Sousa indeferiu e manteve o curso normal da ação penal junto à Justiça Militar da União.
Para o magistrado, a competência para o julgamento dos crimes militares definidos em lei advém do mandamento constitucional previsto no art. 124, “conforme já restou consignado em inúmeros julgamentos desta Corte Castrense, apreciar crime militar como se comum fosse, além de implicar ofensa ao Princípio da Legalidade, significaria, por via direta, ofender o Princípio do Juiz Natural”.
Ainda de acordo o relator, o caso se enquadra em uma das situações trazidas pelo Código Penal Militar para definir a competência da JMU, estando presente o critério “ratione materiae”. “Revela-se dos autos que, embora o fato tenha sido praticado por civis, os recursos para a Operação Pipa estão sob a responsabilidade e supervisão da administração militar. A respeito dos recursos, preleciona a doutrina no sentido de que a competência da Justiça Militar refere-se ao patrimônio sob administração militar, e não apenas sob o patrimônio militar propriamente dito. Nessa linha, acrescenta que até bens particulares podem se incluir em nossa jurisdição”, fundamentou o relator.
O ministro também negou o pedido da defesa para que fosse reconhecida a incompetência do Conselho Permanente de Justiça, com a remessa dos autos ao juiz-auditor.
“Em que pesem os argumentos expostos pela DPU, bem como a existência de posicionamentos divergentes nesta Corte, convém salientar que a Lei 8.457/1992, que organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus serviços auxiliares, encontra-se harmonicamente adequada aos preceitos constitucionais e não contempla a possibilidade do julgamento de civis monocraticamente pelo juiz-auditor. A citada lei estabelece ao Conselho Permanente de Justiça o processamento e julgamento dos crimes definidos na legislação penal militar, sem fazer qualquer ressalva quanto à condição do acusado, seja ele militar ou civil", votou.
O Tribunal, por unanimidade, acolheu o voto do relator, conheceu e negou provimento ao recurso, determinando a remessa dos autos à Auditoria da 10ª CJM para o regular prosseguimento da ação penal.
A sessão foi transmitida ao vivo, pela internet
Processo Relativo
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 56-75.2016.7.10.0010/CE