Os ministros do Superior Tribunal Militar (STM), por unanimidade, indeferiram um pedido de habeas corpus de um soldado do Exército, que usou o “remédio” constitucional para tentar trancar uma ação penal aberta contra ele na Auditoria Militar de Juiz de Fora (MG), primeira instância da Justiça Militar da União no estado.
O militar é defendido pela Defensoria Pública da União, que alegou no pedido que o acusado está sofrendo constrangimento ilegal por parte do juiz federal, que indeferiu o pedido dos advogados de não aceitar a aplicação do Acordo de Não Persecução Penal. O juiz também deixou de encaminhar os autos à Câmara de Coordenação do Ministério Público Militar e determinou o prosseguimento da ação penal militar.
O que é Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) ?
O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é um mecanismo legal brasileiro que permite ao Ministério Público oferecer um acordo ao réu em vez de iniciar um processo judicial para crimes de menor gravidade.
Introduzido pela Lei nº 13.964/19 (Pacote Anticrime), o ANPP pode ser aplicado quando o réu confessa o crime e não possui antecedentes criminais, com exceção de casos envolvendo violência doméstica e outros crimes específicos.
O acordo exige que o réu cumpra condições, como reparar o dano ou realizar serviços à comunidade, para evitar a condenação. O ANPP é uma fase pré-processual, sendo oferecido antes do início formal da ação penal. Caso o acordo não seja aceito ou oferecido, o processo judicial segue seu curso normal.
Segundo os autos, o soldado é acusado pelo Ministério Público Militar (MPM) de acessar, em janeiro de 2021, sem autorização, o notebook funcional de uma primeiro-tenente do Exército. Após acessar o dispositivo, ele extraiu fotos íntimas da oficial e as repassou a outros militares de seu aquartelamento. Durante a madrugada, ele ainda tentou extrair outras fotos do mesmo notebook, mas não obteve sucesso.
Por suas condutas, o militar responde na Justiça Militar da União pelos crimes de invasão de dispositivo informático, tentativa de invasão de dispositivo informático e divulgação de pornografia. A denúncia foi recebida em outubro do ano passado.
Ao STM, a defesa solicitou que os autos da Ação Penal Militar fossem remetidos à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Militar para revisão adequada quanto ao não oferecimento de proposta do Acordo de Não Persecução Penal ao paciente.
Caso no STM
Ao apreciar o caso, o ministro Artur Vidigal de Oliveira negou provimento ao pedido.
O ministro explicou que o Acordo de Não Persecução Penal – incorporado ao ordenamento jurídico com a inserção do art. 28-A ao Código de Processo Penal comum pela Lei nº 13.964/19 (Pacote Anticrime) – surgiu como um instrumento de política criminal destinado a racionalizar a atuação do Ministério Público, titular da ação, de modo a mitigar a obrigatoriedade da ação penal.
Disse também que a finalidade do instituto é evitar que o processo se inicie e, por conseguinte, o desgaste desnecessário do aparato estatal. Tanto é assim que o supracitado dispositivo legal refere-se a “investigado”, e não a réu.
O ministro também afirmou que a consequência do descumprimento ou da não homologação do Acordo de Não Persecução Penal é especificamente a inauguração da fase de oferta e recebimento da denúncia. Mas é evidente que a possibilidade de composição esgota-se na fase anterior ao recebimento da inicial acusatória.
“Dito de outro modo, o referido instituto situa-se na fase pré-processual, mostrando-se incompatível com a instauração da ação penal. Na verdade, o ato do recebimento da denúncia deve ser entendido como o marco limitador para a viabilidade do Acordo de Não Persecução Penal em relação a processos que se iniciaram após a inserção do instituto no ordenamento jurídico pátrio. Uma vez inaugurada a fase processual, há a preclusão da oferta do aludido Acordo.”
Segundo o magistrado, a matéria é preclusa – perda do direito de manifestação no processo, seja do autor, do réu ou de terceiros, por ausência de realização do ato processual no momento oportuno.
“Não há qualquer justificativa para a parte não ter requerido a propositura do Acordo de Não Persecução Penal no momento oportuno, deixando para requerê-lo apenas na sessão designada para qualificação e interrogatório. Ora, se a Ação Penal Militar já se iniciou, estando, inclusive, em fase avançada da instrução probatória, torna-se ilógico pretender a aplicação de um instituto cujo objetivo, repito, é mitigar a obrigatoriedade da ação penal e, assim, evitar que o processo tenha início.”
Constatada a preclusão, o ministro votou por negar provimento ao pedido. Seu voto foi seguido pelos demais ministros do STM, e o soldado permanece réu na Justiça Militar da União.
Habeas Corpus Criminal Nº 7000349-51.2024.7.00.0000/MG