30/07/2014

Ministra presidente fala sobre índice brasileiro de desigualdade de gênero

Presidente do Superior Tribunal Militar, ministra Maria Elizabeth Rocha, falou à TV Brasil sobre o Índice de Desenvolvimento Humano de 2014, divulgado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD). Para a ministra, o empoderamento feminino no cenário brasileiro ainda é muito mais formal do que real.

Na última semana, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) divulgou o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2014. Consta também do Relatório o Índice de Desigualdade de Gênero (IDG) pesquisado em 149 países. O indicador é elaborado com base em cinco dados: taxa de mortalidade materna, taxa de fertilidade na adolescência, proporção de mulheres no parlamento nacional, percentual de mulheres e homens com educação secundária e a taxa de participação de mulheres e homens no mercado de trabalho.

De acordo com o Pnud, o Brasil ficou em 85º lugar no IDG, com nota 0,441. O indicador varia de 0 a 1, com o valor mínimo atribuído a sociedades com menos disparidades entre homens e mulheres.

A pedido da emissora TV Brasil, a Ministra Maria Elizabeth comentou alguns dados do Índice de Desenvolvimento Humano referentes a situação da mulher no país, e falou ainda sobre o preconceito e as ferramentas necessárias para superá-lo. Veja a reportagem exibida pela emissora.

Acesse o Relatório 2014 aqui.

Ministra, a senhora acredita que o espaço da mulher brasileira aumentou ou diminuiu em nossa sociedade?

O que eu posso aferir é que realmente houve um pequeno avanço, mas a trajetória de empoderamento feminino, de igualação, ainda tem que ser alcançada. Muitas coisas ainda devem ser feitas em prol dessa igualdade, que por enquanto é muito mais formal do que real.

Quando analisamos os dados do Relatório do Desenvolvimento Humano 2014, divulgado na semana passada pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD), vemos que, no quesito educação, a mulher já conseguiu superar os homens. Mas isso não reflete no mercado de trabalho e em posições realmente de destaque como, por exemplo, no Congresso Nacional. Como a senhora analisa essa disparidade?

Eu não tenho dúvidas que a educação é o primeiro passo para o nivelamento, isso é indiscutível. Mas a questão é que é preciso também romper com paradigmas, preconceitos e com uma mentalidade sexista, uma mentalidade machista que ainda discrimina a mulher em razão do gênero. É preciso que haja realmente uma visão mais humanista da sociedade como um todo, dos atores sociais que estão envolvidos em todo esse processo de dar oportunidades iguais às pessoas, aos indivíduos, independente de gênero. E isso não acontece com as mulheres que muitas vezes são discriminadas porque podem engravidar, porque tem filhos pra criar; enfim a mulher tem uma série de papéis que ela desempenha na sociedade que não é só o papel profissional, e isso ao invés de enaltecê-la, acaba por prejudicá-la. O que é muito cruel e muito injusto.

Ministra, a respeito da questão legal e do desenvolvimento de políticas públicas que buscam diminuir esse desequilíbrio, o Brasil avançou nesses aspectos?

Tanto nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e que protegem a mulher, como também internamente, acredito que sim. A legislação avançou, um exemplo típico é a Constituição Federal que promoveu uma série de medidas em prol da igualação, garantindo à mulher um rol maior de direitos que elas até então não detinham. As próprias leis ordinárias como a Lei dos Crimes Hediondos, hoje o estupro de mulher grávida é considerado um crime hediondo; a presidiária tem o direito de amamentar seus filhos. O Código Civil implementou mudanças substanciais na situação da mulher casada, que era vista pelo Código de 1916 em uma situação de inferioridade com relação ao homem; a Lei do Batom que reserva uma cota para as parlamentares dentro do Congresso Nacional e a famosa Lei Maria da Penha que é uma grande vitória contra a violência. Segundo o relatório do CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher), a cada 4 minutos uma mulher é agredida por tapa, por amarrações, por violência verbal e violência física. Nesse sentido, a Lei Maria da Penha deu origem a uma legislação moderna, e uma legislação garantidora dos direitos femininos.

Ministra, como virar esse jogo? Como fazer com que todo esse contexto da mulher no Brasil se transforme? O contexto da violência, o contexto do mercado de trabalho, a gravidez na adolescência, é possível indicar um caminho?

Eu acho que são vários os caminhos a serem seguidos. O primeiro deles é uma mudança de mentalidade, não adianta empoderar a mulher se os homens que são seus filhos não conseguem enxergar a importância que ela tem para a sociedade e para o próprio Estado e para a democracia. Esse é o primeiro passo, mudar mentalidades; mas isso é lento. A violência para mim tem uma resposta óbvia: é a sanção, é a punição. Quem agride tem que ser punido. Isso aí não tem nem que se discutir, e pra isso já foram instituídas delegacias das mulheres, e parece que tem várias especiais em alguns estados, inclusive para tratar somente da violência de gênero da violência contra a mulher; isso é um grande avanço. Agora é preciso também que haja políticas públicas e eu acho que nesse ponto o Estado tem um papel muito importante, um papel realmente de protagonista. De implantar essas mudanças que todas nós mulheres sabemos que são fundamentais, e que é uma demanda da própria contemporaneidade, mas que ainda dependem de uma boa vontade dos líderes, dos governantes para que elas sejam realmente efetivadas.

Queria falar um pouco da sua biografia, que é um exemplo para todas as mulheres. A primeira presidente mulher do STM, como foi essa trajetória, e quais foram os desafios enfrentados como mulher?

Eu comecei com a educação, que eu acho que é o ponto de partida. Eu estudei, e estudei muito, me formei com boas notas e depois procurei fazer um curso de especialização. Fiz o mestrado e o doutorado, e, finalmente, fiz um concurso público em que fui aprovada. Eu era procuradora-geral na Advocacia Geral da União antes de ingressar no Superior Tribunal Militar por indicação política do presidente Lula, mas eu sempre busquei me aprimorar intelectualmente, porque sempre disse que eu queria ser dona do meu próprio destino. E eu acredito que a cultura e o conhecimento é algo que ninguém te tira e que realmente amplia seus horizontes. Te leva para outros caminhos. Então começou com o estudo, e terminou com uma luta diária, uma busca de melhoras e oportunidades, que todas nós, mulheres, e profissionais, independente de sexo, estamos sempre buscando. Neste ponto, acho que todos nós estamos sempre em busca de algo mais, de tentar fazer a diferença no mundo, e foi isso que sempre busquei, seja como advogada ou como magistrada. Enfim, terminei aqui no Superior Tribunal Militar, que é um Tribunal que me honra muito. Integrar a Corte de Justiça mais antiga do Brasil é um privilégio e acho que eu tenho realmente uma contribuição muito grande a dar aos meus colegas, sobretudo por eu ser ainda a única mulher a integrar o Plenário. Então eu tenho uma visão diferenciada, uma visão feminina na hora de julgar, e muitas vezes eu acho que isso contribui para uma Justiça mais eficiente e mais humanizada.

A senhora acredita que ainda há preconceito em alguns setores em relação à mulher no mercado de trabalho?

Eu não tenho dúvidas de que o preconceito existe. O preconceito de gênero, o preconceito da orientação sexual, o preconceito da etnia. Ele é presente porque lamentavelmente as sociedades discriminam, e eu não me refiro apenas à sociedade brasileira. Eu me refiro às sociedades como um todo, às sociedades ditas civilizadas, as sociedades ocidentais que tem certos paradigmas culturais que servem de referência quando se fala em questões civilizatórias, e em avanços civilizatórios. Mas o preconceito há e esses preconceitos estão aí para serem enfrentados e para serem derrubados, porque o preconceito ele se muda, se supera ou com uma mudança de mentalidade ou com uma punição. O Estado, de uma maneira ou de outra, tem que intervir, porque se o indivíduo não tem sensibilidade para perceber a diferença do outro e aceitá-lo como tal, então o Estado que o puna para que ele possa agir de uma forma correta, de uma forma aceitável dentro de uma sociedade de homens razoáveis e civilizados.

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