Justiça Militar julga civis por roubo de fuzis do Exército, depois usado em assalto a banco Justiça Militar julga civis por roubo de fuzis do Exército, depois usado em assalto a banco
26/12/2016

Em artigo, juiz-auditor analisa como a Corte Interamericana de Direitos Humanos trata os casos de julgamentos de civis na justiça militar

A Revista de Doutrina e Jurisprudência do Superior Tribunal Militar (STM), do segundo semestre de 2016, traz um interessante e importante tema do Direito Militar: o julgamento de civis na Justiça Castrense.

Em um denso estudo, publicado em forma de artigo, o juiz-auditor de Belém, Luiz Octavio Rabelo Neto, fez um aprofundamento e analisou a competência da Justiça Militar da União (brasileira) para o julgamento de civis em tempo de paz, bem como averiguou a compatibilidade dessa atribuição de competência com a Constituição Federal de 1988, com a Convenção Americana de Direitos Humanos e com os padrões jurisprudenciais da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

“Um grande desafio jurídico para a Justiça Militar da União (JMU) brasileira é delimitar precisamente sua competência, de forma a compatibilizá-la com a Constituição Federal, bem como com os tratados internacionais de direitos humanos a que aderiu o Estado brasileiro, especialmente, para os fins deste artigo, a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH)”, escreve.

Ainda de acordo com Luiz Octavio Rabelo, tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), dentre outras causas, duas importantes demandas de controle concentrado de constitucionalidade.

A primeira delas, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 289, proposta pelo Procurador-Geral da República (PGR) em 15/8/2013, cujo relator é o Ministro Gilmar Mendes. Ela tem por objetivo conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 9º, incisos I e III, do Código Penal Militar, para que seja reconhecida a incompetência da Justiça Militar para julgar civis em tempo de paz e para que estes crimes sejam submetidos a julgamento pela justiça comum, federal ou estadual.

Na mesma diretriz, afirma ele, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5032, ajuizada em 14/8/2013, também pelo PGR, cujo relator é o Ministro Marco Aurélio, tem por objetivo a declaração de inconstitucionalidade do § 7º do art. 15 da Lei Complementar nº 97/1999, que considera atividade militar, para fins de determinação de competência da JMU, determinadas atribuições subsidiárias das Forças Armadas, como, por exemplo, as operações para garantia da lei e da ordem e de combate ao crime realizadas em favelas no Rio de Janeiro.

Também tramita no STF o Habeas Corpus (HC) 112848, afetado ao conhecimento do Plenário, no qual é questionada a competência da JMU para julgar civil denunciado por crimes militares supostamente cometidos contra militares do Exército que atuaram em operações de garantia da lei e da ordem.

Essas demandas apresentam, como causa de pedir, além da limitação constitucional da competência da Justiça Militar, os tratados internacionais de direitos humanos vigentes no país, bem como a jurisprudência dos tribunais internacionais sobre a temática.

“A ideia de escrever esse artigo surgiu da participação no seminário 'Encontro da Justiça Militar da União com a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos: uma discussão sobre o papel das justiças militares no sistema interamericano de direitos humanos', realizado entre os dias 9 a 12 de fevereiro de 2015 na sede do Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília, ocasião em que alguns palestrantes expuseram os padrões (estándares) existentes na jurisprudência da Corte IDH acerca da justiça militar e surgiu o questionamento dos participantes se esses padrões seriam ou não aplicáveis à JMU brasileira, diante das peculiaridades que essa possui, em comparação com a organização da justiça militar de outros países americanos, não tendo surgido uma posição definitiva dos expositores sobre o tema, até para se evitar um prejulgamento sobre a justiça militar brasileira, a qual ainda não foi objeto de consideração contenciosa pela Corte”, conta.

O magistrado afirma que o Brasil, conforme previsão do Decreto nº 4.463/2002, reconheceu como obrigatória a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, para fatos posteriores a 10/12/1998, em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22/11/1969, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 678/1992.

“Disso resultam a importância e a necessidade de o operador jurídico nacional conhecer e aplicar efetivamente, no que for cabível, a jurisprudência da Corte”.

Ação do Túpac Amaru 

Ainda de acordo com o articulista, para subsidiar toda a abordagem feita, os referenciais teóricos adequaram-se a três grupos: histórico, as decisões da Corte Internacional e a aplicabilidade dos precedentes da Corte IDH.

A partir do histórico constitucional brasileiro e, principalmente, da Constituição de 1988, buscou-se configurar os limites de competência da Justiça Militar da União para o julgamento de civis, à luz do Código Penal Militar.

Em um segundo momento, os referenciais foram restringidos a decisões da Corte IDH acerca do tema, assim como aos padrões ou estándares sobre justiça militar que podem ser extraídos desses julgamentos.

Por fim, o magistrado fez uma análise sobre a aplicabilidade total ou parcial, ou mesmo da inaplicabilidade dos precedentes da Corte IDH à realidade jurídica nacional, no que tange à competência para o julgamento de civis pela justiça militar.

Para isso, o juiz-auditor usou mais de 30 casos apreciados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, a exemplo do “Caso Cruz Sánchez e outros Vs. Peru (2015)” e do “Caso Argüelles e outros Vs. Argentina (2014)”.

No primeiro, o caso se refere à execução extrajudicial de membros do grupo armado Movimento Revolucionário Túpac Amaru (MRTA) durante uma operação militar efetuada pelo Exército em abril de 1997, destinada ao resgate e liberação de reféns e à retomada do controle sobre a residência do embaixador do Japão no Peru, que havia sido invadida e dominada por membros do citado grupo armado durante uma festa de aniversário do embaixador.

Foram instaurados processos judiciais perante a justiça militar e a justiça comum e, dirimindo conflito positivo de competência, a Corte Suprema de Justiça determinou que competiria à justiça militar apreciar os processos relativos aos militares que participaram da citada operação militar e que competiria à justiça comum apreciar os casos envolvendo elementos alheios às forças militares. A justiça militar considerou não existir prova de prática de crime e arquivou o caso.

Leia a íntegra do artigo na Revista de Jurisprudência do STM 

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