Em julgamento que durou mais de cinco horas, o Plenário do Superior Tribunal Militar (STM) decidiu, nesta semana, em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), que o instituto da não-persecução penal (ANPP) e o sursis processual não são aplicáveis a réus em processos de competência da Justiça Militar da União (JMU).
O acordo de não-persecução penal é um mecanismo jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, assistido por defensor. Nesse acordo, as partes negociam cláusulas que, se cumpridas, resultam na extinção da punibilidade. Previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal (CPP), o ANPP é aplicável a casos em que o investigado confessa formalmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça, cuja pena mínima seja inferior a quatro anos, desde que a medida seja necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
Já o sursis processual, suspensão condicional do processo, é um instituto previsto no art. 89 da Lei 9.099/95, que se aplica a delitos com pena mínima igual ou inferior a um ano, demanda cumprimento de requisitos previstos em Lei e pode durar de dois a quatro anos.
Embora alguns juízes federais da Justiça Militar tenham permitido o uso do ANPP e do sursis processual, o STM entende que, sendo uma Justiça especializada, os crimes militares, por sua natureza sensível no contexto dos quartéis, não comportam tal instituto. Para pacificar o entendimento, a Corte instaurou um IRDR, sob a relatoria da ministra Maria Elizabeth Rocha.
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Divergências sobre a aplicação a civis
A Corte decidiu, por unanimidade, que o ANPP e o sursis processual não podem ser aplicados a militares em ações penais na Justiça Castrense. No entanto, houve divergência quanto à aplicação do instituto a réus civis em ações sob competência da JMU.
A relatora, ministra Maria Elizabeth Rocha, defendeu que o ANPP poderia ser aplicado a civis julgados monocraticamente por juízes federais da Justiça Militar, exceto nos casos em que os civis fossem processados junto com militares. Por outro lado, em voto divergente, o ministro Marco Antônio de Farias argumentou que o ANPP não deveria ser admitido em nenhuma hipótese na Justiça Militar, mesmo para civis.
Após intenso debate jurídico, houve empate: sete ministros acompanharam a relatora e outros sete seguiram o voto divergente. Coube ao presidente do STM, ministro Francisco Joseli Parente Camelo, desempatar a questão. O presidente acompanhou o entendimento do voto divergente, concluindo que o ANPP e o sursis processual não podem ser aplicados, em nenhuma situação, na JMU.
Fundamentos do voto divergente
O ministro Marco Antônio de Farias justificou seu posicionamento ressaltando que a aplicação do ANPP na Justiça Militar comprometeria a rigidez e a especificidade necessárias para o funcionamento dessa Justiça Especializada. Ele destacou que o instituto mitiga a obrigatoriedade da ação penal, permitindo às partes negociar o oferecimento da denúncia, o que enfraqueceria os pilares basilares da hierarquia e disciplina militares.
Farias apontou que a legislação militar é pautada por celeridade, com apenas duas instâncias (Conselho de Justiça Militar e STM), e exige maior rigidez nas decisões, dada sua repercussão sobre o braço armado do Estado. Para ele, a exclusão do ANPP no Código de Processo Penal Militar (CPPM) no chamado "Pacote Anticrime" foi uma escolha legislativa consciente, refletindo a necessidade de preservar as incumbências constitucionais das Forças Armadas.
“O Legislativo optou por manter o ANPP distante da JMU, valorizando a rigidez indispensável para a manutenção da hierarquia e da disciplina. Não houve esquecimento, mas sim uma escolha deliberada para prestigiar o princípio da especialidade e evitar o ativismo judicial”, afirmou o ministro.
Ele também alertou para os riscos que a aplicação do ANPP traria à moralidade da tropa, prejudicando a eficiência das Forças Armadas, e destacou que essa Justiça serve como instrumento pedagógico para promover o respeito e a preservação dos valores das Forças Armadas entre civis e militares.
“A Defesa Nacional eficiente resulta do esforço geral para a manutenção da higidez material e moral das Forças Armadas, visando à máxima segurança de todos. Nesse prisma, criar, sem maiores estudos, regras para amenizar a situação processual dos civis, apenas torna vulnerável a mens legis que idealizou a JMU”.
Decisão
Com o julgamento do IRDR, o STM fixou a tese de que o ANPP e o sursis processual não são aplicáveis a nenhum réu na Justiça Militar da União, seja ele militar ou civil. A decisão reforça a especificidade e a rigidez desse ramo do Judiciário, alinhando-se aos valores constitucionais que sustentam o funcionamento das Forças Armadas.
Processo IRDR Nº 7000457-17.2023.7.00.0000