O ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, abriu o penúltimo dia do II Curso de Direito e Processo Administrativo com palestra sobre os aspectos constitucionais do PAD. O ministro destacou o debate doutrinário que envolve a incorporação de garantias processuais penais no processo administrativo disciplinar.

Segundo Teori Zavascki, em função do sistema penal vigente no Brasil, o processo administrativo disciplinar sempre envolve questões constitucionais, uma vez que o controle da administração pública foi assunto detalhadamente disciplinado pela Constituição quando elencou os regimes de responsabilidade por improbidade administrativa, pela indevida aplicação de recursos públicos e pelo processo administrativo disciplinar.

“Esses três regimes se complementam na tutela da gestão de recursos públicos, humanos e financeiros, ou de alguma forma patrocinadas pela administração pública, e exprimem um conteúdo sancionatório”, explicou o palestrante.

Na comparação entre os três regimes, Teori Zavascki ressaltou que as diferenças entre eles definem o sujeito atingido, a gravidade das reprimendas previstas e a autoridade competente para julgar as infrações. Segundo explicou o palestrante, a graduação da gravidade das reprimendas previstas em cada um dos três regimes tem o seu ápice na suspensão de direitos políticos, na improbidade administrativa, e na demissão do servidor ou empregado público, no caso do processo administrativo disciplinar.

Processo administrativo disciplinar

Zavascki declarou que o poder sancionatório disciplinar é o único regime que permite que a própria administração aplique certas sanções graves, como é o caso de demissão, e que essa foi uma escolha intencional do legislador.

A finalidade, segundo o palestrante, foi de reforçar o poder e dever de autotutela da administração, “investindo-a dos necessários meios para superar os desajustes de seus próprios integrantes”, incrementar um senso próprio de responsabilidade no âmbito administrativo, de forma a consolidar uma cultura de controle interno, informalizar o processo de apuração desse tipo de responsabilidade e, por último, reduzir a sobrecarga de responsabilidade do Poder Judiciário.

“Pela gravidade das sanções decorrentes do exercício do poder disciplinar, muito se tem debatido sobre a possibilidade de incorporação das garantias processuais penais para o processo administrativo disciplinar”, explicou Zavascki para apontar que o principal desafio nessa questão é definir quais garantias processuais penais e qual intensidade elas podem adquirir no campo do processo administrativo disciplinar.

O palestrante esclareceu que, atualmente, a constituição estende às apurações disciplinares apenas as garantias vigentes nos processos administrativos em geral, como a legalidade, a segurança jurídica, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

“O direito penal representa a frente mais combativa do sistema jurídico, pois pode acarretar a restrição da liberdade de ir e vir das pessoas. É justamente a gravidade das sanções advindas do direito penal que exige que a sua imposição seja articulada por um rigoroso processo penal, mediante o oferecimento de um maior número possível de garantias aos acusados”.

Segundo Zavascki, as garantias que despertam mais controvérsia no debate de ampliação das garantias constitucionais aos acusados na instância administrativa disciplinar são o princípio da tipicidade, da culpabilidade, da individualização da pena e da presunção da inocência.

Ao final da palestra, o ministro Teori Zavascki respondeu perguntas dos participantes, confira abaixo.

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Bandeira de Mello durante a palestra.

O II Curso de Direito e Processo Administrativo foi concluído com a palestra do professor titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da PUC/SP, Celso Antônio Bandeira de Mello.

Ao falar sobre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, Bandeira de Mello deu uma aula que reuniu história do Direito e da democracia, cuja conclusão abordou a responsabilidade dos agentes públicos no exercício do poder a eles outorgado.

Como primeira lição, o especialista enfatizou que o princípio é mais do que uma simples norma, pois tem um valor jurídico mais amplo que o da norma: aponta para uma direção.

O princípio da legalidade é, segundo o professor, o fundamento do direito administrativo e o princípio por excelência do estado democrático de direito, cujo registro consta no texto da Constituição brasileira, em seus artigos 5º e 37.

Historicamente, Bandeira de Melo afirmou que no Brasil o direito administrativo ganhou mais força do que na própria Europa. Contou que na Europa, o Legislativo tirou poder do monarca, o que levou ao conceito de “reserva de lei” para demarcar o campo da legalidade.

“No direito brasileiro tudo é matéria de lei”, afirmou, defendendo não fazer sentido falar em reserva de lei no Brasil. Compete ao Congresso Nacional legislar sobre todas as matérias de competência da União.

E reforçou o que significa legalidade: a Constituição não é uma orientação ou uma sequencia de conselhos, mas uma imposição. “Ordenamento jurídico quer dizer uma coleção de comandos e determinações”, esclareceu.

Poder como dever

Bandeira de Mello afirmou que a proporcionalidade e a razoabilidade com que deve atuar o administrador público está fortemente atrelada à legalidade. Por essa razão, a chamada discricionariedade administrativa deve ser sempre monitorada, pois os limites da decisão livre do agente são a própria lei.

“Não existe ato discricionário, mas atos que tem aspectos de discrição e aspectos de vinculação”, ensinou.  

E fez uma distinção entre autonomia da vontade e o poder público: autonomia da vontade, que diz que podemos fazer tudo aquilo que não é proibido. O poder público que diz respeito a atender o interesse alheio e não o próprio.

“O poder não é dado em homenagem ao sujeito: é um meio, um instrumento para que a autoridade satisfaça o interesse público”, asseverou, para concluir que não cabe à autoridade fazer o simples uso da vontade, mas atuar com base num dever que lhe é atribuído.

Bandeira de Mello resumiu “proporcionalidade” como o equilíbrio entre a medida adotada e o seu alcance. E pontuou: não devemos sofrer restrições maiores ou providências mais duras do que o necessário para a realização da finalidade.

Sobre a razoabilidade, afirmou que o conceito deve acompanhar a escolha e a aplicação de sanções devidas. Falou também sobre a responsabilidade e o papel do legislador no sentido de estabelecer sanções razoáveis, evitando deixar apenas a cargo do agente público esse tipo de juízo.

Encerramento

Ao final do curso, o coordenador-geral do Cejum, ministro José Coêlho Ferreira, agradeceu a contribuição dos palestrantes, que considerou os grandes responsáveis pelo êxito do evento. Ressaltou também a importância da iniciativa para o aumento da eficiência e eficácia na prestação do serviço público.

O presidente do STM, ministro William de Oliveira Barros, parabenizou a organização do evento e a competência com que escolheram os palestrantes. Elogiou ainda a atuação do CEJUM e de seu coordenador, pelo nível do trabalho desenvolvido em prol da capacitação dos agentes do direito. 

As palestras do II Curso de Direito e Processo Administrativo estão disponíveis no canal oficial do Superior Tribunal Militar no Youtube.

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A conselheira fala sobre a atuação do CNJ em processoa administrativos contra magistrados.

Na primeira palestra do terceiro dia do II Curso de Direito e Processo Administrativo da JMU, a juíza da Vara de Família e conselheira do CNJ Deborah Ciocci falou sobre as infrações administrativas cometidas por magistrados.

O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) foi apresentado como um instrumento de controle interno nos vários órgãos do Poder Judiciário, cuja normatização ficou a cargo do artigo 95 da CF-88, artigos 35 e 36 do Estatuto da Magistratura, Resolução 135/2011 do CNJ e, subsidiarimente, as Leis 8.112 e 9.784. A magistrada ressaltou o papel da Resolução 135 na unificação dos procedimentos do PAD no Poder Judiciário.

Baseada na legislação que rege a conduta e deveres do magistrado, a conselheira citou deveres como imparcialidade, celeridade, isenção, independência e cortesia. Sobre a obrigação prevista na Lei da Magistratura de manter “conduta irrepreensível na vida pública e particular” a juíza afirmou que esse conceito pode mudar com o tempo. Citou como exemplo a orientação homoafetiva, que, ao contrário de outras épocas, hoje não pode ser considerada desabonadora da conduta do magistrado.

Em seguida, a magistrada expôs as penas disciplinares aplicáveis aos juízes em ordem crescente de gravidade: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória e demissão com sentença transitado em julgado. A juíza chamou atenção para a nova cultura de transparência no serviço público, que foi reforçada pelo Conselho Nacional de Justiça no momento da aplicação da advertência ao passar de um ato reservado para se tornar objeto de uma sessão pública.

Na opinião da palestrante, a disponibilidade é uma medida controversa: ao ser posto em disponibilidade, o juiz é afastado, podendo voltar ao trabalho caso seja convocado. No entanto, ela explicou que a Lei fala de dois anos de afastamento, mas não propõe critérios para o retorno. Segundo ela, o que precisa ser apurado é se o magistrado tem condições técnicas para voltar ao trabalho.

Correição

A magistrada defendeu a importância do equilíbrio no exercício da correição por parte do CNJ, ao respeitar a ação correicional dos tribunais. Exemplificou que em alguns tribunais, com poucos desembargadores, há um clima mais amigável que dificulta a ação isenta da corregedoria. Essa situação gera a necessidade de avocação da correição pelo CNJ. Apesar disso, a magistrada deu ênfase à necessidade da competência do Conselho ser concorrente, dando espaço para que as corregedorias locais cumpram seu papel.

Deborah Ciocci respondeu a perguntas selecionadas da plateia após a palestra. Veja abaixo. 

 

Fábio Medina fala sobre a Lei Anticorrupção.

A Lei Anticorrupção, sancionada em 2013, não tem aplicabilidade na maioria dos órgãos públicos. A constatação do advogado Fábio Medina vale para estados, municípios e também para a esfera federal. A Lei entrou em vigor em janeiro de 2014.

Segundo o palestrante, a União já regulamentou a Lei 12.846/2013, o que significa dizer que ela é aplicável no Executivo Federal. Ainda falta a regulamentação na maioria nos órgãos dos Poderes Judiciário e Legislativo federais, assim como no âmbito dos estados e municípios.

A Lei também é conhecida como Lei da Probidade Empresarial, pois se aplica a atos praticados por funcionários, colaboradores e dirigentes contra regras ou princípios estabelecidos pela Administração Pública nacional ou estrangeira. A norma abrange empresas brasileiras com funcionamento no Brasil ou no exterior e empresas estrangeiras em atividade no Brasil.

Após a sua regulamentação em cada esfera, as sanções previstas poderão ser aplicadas, na via administrativa, por parte da autoridade máxima do respectivo órgão público. Medina lembrou que as multas podem chegar a 20% do faturamento bruto anual da empresa apurado no exercício anterior. Além disso, está prevista a publicação da decisão condenatória em veículos de grande circulação, reparação de dano moral e material, sem prejuízo de ações judiciais cabíveis.

“O que se impõe aqui é uma reflexão sobre novos paradigmas de sustentabilidade ética que se introduzem no Brasil inserindo deveres públicos para o universo privado”, afirmou. Segundo o especialista, é exigido das empresas “cautelas extraordinárias em termos de prudência e probidade empresariais”.

“O Brasil foi forçado a editar a Lei por compromissos internacionais e foi um dos últimos países da América Latina a fazê-lo”, declarou. Em havendo omissão da autoridade administrativa sobre o normativo, o Ministério Público poderá instaurar uma investigação por meio de ação civil pública. As sanções previstas são multa, perda de bens, reparação integral de dano moral e material, interdição de direitos e impedimento para que a empresa receba dinheiros de fontes públicas.

Novo espaço de investigação

Medina destaca que a legislação transfere obrigações públicas ao setor privado, deslocando o tema da corrupção para as empresas. “Aqui se desenvolve um novo espaço de investigação privada de ilícitos”, afirmou. A empresa precisa assim estabelecer rotinas de relacionamento ético com o poder fiscalizatório do Estado.

Um exemplo dessa nova cultura é a criação do setor de “compliance” nas empresas, uma área que irá zelar pela correção dos procedimentos adotados em suas transações. A prática também se traduz no funcionamento de códicos de ética, comitês para aplicação das sanções e um canal de denúncia interna.

“A empresa passa a ter a necessidade de observar deveres públicos”, resumiu. Lembrou também que, nos Estados Unidos, o “compliance officer” é o principal responsável pelas delações premiadas e, caso a apuração dos fatos encontre resistências internas, a área funciona como um setor policial, colaborando com o governo.

Ao final da palestra, o especialista respondeu algumas perguntas da plateia. Assista aqui. 

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